Garota Atômica - EP02 - T01

em 12 de junho de 2019




Colégio Winston – Segunda-feira – 8h15min.

—Senhorita Carter? Senhorita Carter!

Eu acordei com aquela voz estridente e aguda da Sra. Audrey. Devo ter cochilado sem querer, a noite de ontem foi uma daquelas. Gangue de vândalos, depois resgate de incêndio, aí acidente de trânsito e tirar gatinhos de árvores…
—Sim, senhora Audrey… — respondi bocejando.

—Qual a resposta?

—Que resposta?

—Pra pergunta!

—Pergunta?

—A pergunta que eu fiz!

—Ah… — eu esfreguei os olhos e procurei por alguma pista sobre a pergunta na lousa. — É… Vinte e sete?

—Não, senhorita Carter. A resposta correta é 6 de maio de 1974. Mas talvez você estivesse correta se estivéssemos em uma aula de matemática.

—Oh…

—Por favor, preste atenção na aula. — ela voltou a caminhar e a tagarelar com aquela incrivelmente irritante voz aguda. E eu deitei sobre os meus braços novamente.


***

Colégio Winston – Segunda-feira – 9h45min.

Finalmente a hora do intervalo chegou. Eu estava andando pelo corredor até o refeitório até que notei uma multidão próxima a um dos armários. Cheguei um pouco mais perto pra ver do que se tratava.

—Por que não se manda daqui, engomadinho? Esse não é seu lugar!

—Me deixem em paz! — um rapaz loiro, usando um suéter com uma camisa azul por baixo disse. Ele tinha um sotaque diferente, com certeza não era do país. A sua volta havia um grupo de cinco garotos altos e musculosos.

—Senão o que, estrangeiro? — um garoto musculoso o cercou contra o armário.

—Eu peço pros seguranças do meu pai prenderem vocês!

—Ah, os seguranças do papai… — o maior deles riu e os outros o acompanharam. - Escuta aqui, Stalin Jr, você não está no seu castelo! Seu papaizinho não pode te proteger aqui! - ele empurrou o garoto contra o armário.
Aquilo me deixou furiosa e eu não pude deixar de interferir. Fui passando pelas pessoas até chegar ao centro da briga e então exclamei:

—Ei! — vi todos os olhares se voltarem para mim. — Larga ele!

—Fica fora disso, garota… — o líder do grupo grunhiu sem soltar o garoto.

—Por que tá fazendo isso com ele? Ah, já sei! Você é um idiota, fútil e fraco que tem a necessidade de oprimir outras pessoas pra se sentir poderoso! Mas deixa eu te dizer uma coisa, você não é! Ninguém aqui é! Somos todos alunos da mesma escola, temos a mesma idade! E você não precisa fazer mais isso…

Ele parou e me olhou. Por um segundo pensei que tivesse conseguido tocá-lo. Então vi sua feição mudar e um sorriso debochado tomar conta de sua face no lugar de sua seriedade anterior e ele começou a rir.


—Que gracinha… Tão moralista! — ele veio até mim e segurou o meu queixo.

—Tira a mão de mim! — dei um tapa na mão dele. Pensei até em usar meus poderes, mas consegui me controlar.

—Você é uma figura! - ele continuou rindo. — Sim’bora galera, vamos vazar! — ele gritou para os outros e seguiu o caminho para o refeitório.

Assim que os valentões se afastaram e os outros alunos voltaram a circular, eu corri até o garoto que fora agredido. Agora ele estava sentado em frente ao armário, com uma expressão melancólica.

—Você está bem? — perguntei. Ele levou um susto e se afastou um pouco. — Qual o seu nome?

—M-Mikhail… Randorff… Mikhail Randorff. — ele respondeu, com a voz baixa.

—Mikhail… Posso te chamar só de Miki? — o olhei e ele assentiu com a cabeça. - Olha, Miki, não ligue pra aqueles caras… São uns idiotas…

—Eu queria ser tão grande quanto eles, só pra socá-los no estômago como fazem comigo todos os dias! — eu apenas permaneci quieta, o observando.
Antes que eu pudesse dizer alguma coisa, o sinal tocou. A hora do intervalo havia acabado e todos os alunos começaram a voltar para as salas. Eu e Mikhail nos levantamos e seguimos cada um para sua respectiva sala.


***

Colégio Winston – Segunda-feira – 12h30min.

O último sinal tocou. Finalmente era hora da saída. Não é que eu não goste da escola, mas qual é! Eu sou a Garota Atômica, não posso perder tempo dentro de um lugar fechado enquanto há criminosos cometendo delitos por aí.

Eu já estava saindo da sala, quando a Sra. Audrey me chamou:

—Senhorita Carter, tem um minuto? Eu queria conversar com você.

Eu pensei em dizer estava que ocupada, mas tudo que saiu quando abri a boca para responder foi:

—Claro, sem problemas! — enquanto eu voltava para a minha carteira.

—Senhorita Carter, eu tenho notado que o seu desempenho nas aulas têm caído muito desde os últimos 2 meses. E como sua professora eu fico preocupada com as suas notas, já que é uma das melhores alunas da classe. Não quer me contar o que está acontecendo?

Eu apenas fiz que não com a cabeça. Acho que ela interpretou isso como uma permissão para ela continuar.

—Senhorita Carter, se tiver com algum problema, eu estou totalmente aberta a te ouvir… Pode confiar em mim, ok? — ela me olhou como se esperasse por uma resposta.

—É só cansaço, Sra. Audrey… - eu disse. Foi a primeira coisa que me veio a cabeça e, bom, não era mentira. — Não tenho dormido direito. Tenho umas tarefas…

—Certo… — ela moveu a cabeça positivamente, com a expressão um pouco pensativa. — Mas você sabe que eu não posso simplesmente deixar que você caia de nível dessa forma, não é?

—Eu sei… — respondi um pouco agitada, olhando o horário em meu celular.

—Por isso eu conversei com os outros professores e nós decidimos que vamos te dar uma tarefa especial!

—Tarefa especial? — aquilo só podia ser brincadeira.

—Sim. Você deverá entregar uma redação com o tema interdisciplinar desse ano: o bullying e o impacto causado na vida de vítimas dessa agressão.

Eu não sabia o que dizer, então apenas concordei:

—Sim, Sra. Audrey…

—Você pode ir agora… Até amanhã, senhorita Carter.

—Até amanhã! — respondi, levantando rápido e correndo pra fora da sala.

***

Mikhail parou na frente de uma enorme mansão. A casa tinha enormes portões dourados por onde dava pra ver um pequeno caminho de pedras com grama e plantas dos dois lados que levava até ela.
O garoto andou até o portão e parou perto de uma caixinha instalada nos enormes portões. Ele então a abriu, revelando um painel eletrônico, no qual ele colocou sua mão aberta. Um feixe de luz azul escaneou sua mão e, após alguns segundos, o clique da trava do portão soou, indicando que ele já podia entrar.

***


—Pai! — o garoto chamou andando por um dos enormes corredores da mansão. — Papai! Onde o senhor está?

Ele continuou caminhando até a última porta no fim do corredor e então a adentrou. Aquele era o escritório de seu pai, Vladimir Randorff, um renomado farmacêutico russo que fora chamado pelo governo para auxiliar na criação de uma nova pílula energética. Era um homem alto, forte e careca. Havia um retrato dele na parede atrás da mesa. Por mais bonito que fosse, o quadro era um tanto quanto perturbador.

Ao ver que seu pai não estava no escritório, Mikhail decidiu sair. Mas quando se virou em direção a porta, um estranho ruído o chamou atenção. Ele caminhou de volta até o quadro e o analisou por um tempo até ouvir o ruído novamente. Parecia vir de trás da obra de arte. O garoto então, resolveu verificar. Pegou o retrato pelas pontas da moldura e o colocou sobre a mesa. Atrás, na parede, havia um tipo de tranca de cofre. Mais abaixo, ele viu uma pequena falha no papel de parede, como se o que estivesse por trás tivesse uma pequena divisão. Curioso, ele decidiu verificar. Colocou os dedos entre a “falha” na parede e então puxou, fazendo bastante força. O papel de parede rasgou-se completamente, revelando uma imensa e compacta porta de metal brilhante, como a de um cofre de banco.
Mikhail ficou paralisado. Sequer fazia ideia da existência de uma sala secreta em sua casa. A grande porta dava para um longo corredor quase do mesmo tamanho. Mesmo com o perigo iminente, ele resolveu entrar.

A passagem dava para um enorme laboratório subterrâneo, cheio de computadores e tubos de ensaio. Do lado esquerdo, próximo a porta, um painel verde cheio de post-its coloridos. O garoto continuava caminhando enquanto observava o local, cada vez mais perdido em seus pensamentos e dúvidas.

Quando finalmente chegou ao fundo da sala, viu um grande recipiente de vidro em cima de uma mesa pequena e quadrada, contendo um líquido azul fluorescente em seu interior. Aquilo o deixou hipnotizado. Ele se aproximou. Porém, quando estava prestes a tocar o recipiente, a voz de seu pai o assustou.

—Mikhail! — o senhor gritou. — O que está fazendo aqui? Afaste-se dessa mesa!

—P-papai… — ele murmurou, virando-se em direção a grande porta.

Ao fazer este movimento, Mikhail acabou acidentalmente esbarrando no recipiente e o derrubando no chão, fazendo com que o líquido azul se espalhasse e chegasse até um cabo de energia mal conectado, iniciando uma chama, que se espalhou rapidamente, assim como a fumaça.

—Mikhail! — o senhor Randorff tentava alcançar o filho. — Mikhail!

—Papai! — o garoto gritava consecutivamente. — Papai! — até que de repente… Parou.


***

Centro de Emerald City – Terça-feira – 14h37min.

Eu estava voando entre os prédios. Costumo fazer isso todos os dias sem falta para me certificar de que a cidade está em segurança.
Não muito longe de onde eu estava, vi uma aglomeração de pessoas se formando perto de um beco e decidi verificar o que estava acontecendo.
Uma gangue de rua havia cercado um cara. O que parecia ser o líder, o esmurrava na boca do estômago. Aquela cena me fez lembrar de Mikhail… Ele não havia ido a escola, talvez por medo do que os valentões pudessem fazer com ele. Na escola eu não pude fazer nada, mas eu não estava lá…
Voei para baixo em alta velocidade, passando pela gangue, agarrando o agressor pela gola do colete preto que usava e o arrastando para o alto.

—Se acha forte agora? — perguntei, enquanto o segurava pendurado acima dos prédios. Ele não respondeu, então repeti, um pouco mais alto. — Se acha forte???

—N-Não… — ele respondeu, ofegante e apavorado.

—Mais alto! — eu o sacudi sem muita força.

—Não! — o homem disse um pouco mais alto, desviando o olhar.

—Olhe pra mim quando disser alguma coisa! — eu queria assustá-lo. Acho que estava dando certo. — Você nunca mais vai incomodar aquele homem e nem outra pessoa na sua vida, está me entendendo?

—Sim…

—Eu não ouvi!!!

—Sim!!!

—Ótimo! Agora você… — nesse momento, um estrondo vindo da área onde ficava o meu colégio chamou minha atenção. Eu, então, voei para baixo até o prédio mais próximo, onde deixei o líder da gangue de rua e segui para o local de onde o som havia vindo.
Quando cheguei a escola eu o vi. Era uma enorme criatura, devia ter uns 3 metros de altura, pele marrom-madeira e olhos totalmente vermelhos. As veias saltavam em seu pescoço, braços e panturrilhas. E em suas mãos e pés, enormes unhas pretas completavam sua aparência monstruosa.

—O que…? — murmurei, extasiada. Nunca havia visto algo daquele jeito.
Havia dezenas de carros de polícia em frente ao prédio. Os oficiais cercavam a criatura, atirando sem parar com suas armas. Mas os tiros não faziam efeito e o monstro continuava destruindo o pátio. Eu voei até o mais rápido que podia.

—Aí! — gritei, tentando chamar atenção do ser.
Eu admito que me assustei um pouco quando ele se virou para mim. Ficou um tempo me observando em silêncio até que, menos de um segundo, encheu os pulmões e urrou, causando uma tremenda ventania que me jogou para trás. Mesmo sendo arremessada, eu continuei. Voei de volta até aquele golem bizarro preparando uma rajada de energia. Assim que ele se virou eu a lancei direto em seu peito, mas ele foi empurrado somente alguns metros para trás. Em seguida, o monstro agarrou um dos bancos do pátio e arremessou contra mim. Quase que imediatamente, fechei os olhos e coloquei meus braços em frente a cabeça, em posição defensiva, projetando um escudo de energia invisível, porém ele não suportou o choque e desapareceu, fazendo com que o objeto atingisse meus dois braços. Aquela era uma habilidade que eu ainda não havia aperfeiçoado muito. Mas não fazia diferença, afinal eu ainda tinha a pele impenetrável e superforça, que me ajudaram a absorver o impacto. Quando abri os olhos novamente, a criatura não estava mais no pátio. A vi indo para o fim da rua. Não era apenas enorme, também era rápida. Pedi para os policiais que fizessem uma barreira de viaturas no fim da rua para onde a criatura virava naquele exato momento. Eu a segui voando o mais rápido possível, mas assim que fiz a curva para encurralá-la junto à polícia, já não havia nem sinal dela. Tudo o que sobrou foi o estrago que ela fez. Os oficiais estavam tão confusos quanto eu. Como um ser tão grande podia ter sumido daquele jeito?

***

Passei o resto do dia procurando pelo Golem. Foi como eu decidi chamá-lo, já que ele batia com as descrições dadas nos antigos livros medievais. Porém não o encontrei em parte alguma e aquilo me deixava extremamente confusa e frustrada.
Continuei voando pela cidade, observando tudo com cautela na busca por pistas. Até que passei por um lugar que eu nunca havia notado: ruínas do que parecia ser uma mansão. Entre todo entulho uma estranha nuvem de fumaça crescia.
Me aproximei para verificar melhor e então notei que várias equipes de TV se aglomeravam em frente ao prédio derrubado e, pelo que consegui ouvir, todas falavam sobre o mesmo assunto: uma explosão que ocorreu durante testes em um laboratório secreto no subsolo da mansão de um conceituado farmacêutico chamado Vladimir Randorff.
Segundo todos os repórteres, a polícia suspeitava de uma ligação entre o acidente e o aparecimento do Golem na cidade, já que ele surgiu no dia seguinte à explosão.
Decidi que voltaria para a Mansão Randorff quando os holofotes não estivessem mais apontados para ela. Nunca gostei de como a mídia manipula as informações. Se as emissoras de TV soubessem que eu entraria na mansão para investigar, era muito provável que fizessem de tudo para iniciar uma polêmica. E esse era um risco que eu não estava disposta a correr.

***

Mansão Randorff – Terça-feira. – 23h45min.

Eu pousei em frente a enorme casa. A nuvem de fumaça ainda não havia se dissipado apesar do vento e do tempo passado entre ontem, quando ocorreu a explosão, e hoje, um dia depois dela.
Adentrei o terreno. Aquela era a parte menos devastada. Ainda havia grama no chão e plantas do grande jardim. Mas a medida que eu me aproximava da casa, via que aquelas que estavam mais próximas do prédio tinham uma coloração amarronzada, como se estivessem mortas…

Continuei andando até que um som de folhas se mexendo chamou minha atenção. Logo, eu me virei para o lugar de onde o som havia vindo, preparando meu ataque.

—Apareça quem quer que seja. — eu disse, com a voz amena e calma, como faria o Batman. Mas ninguém respondeu.

Dei mais alguns passos para frente e, de repente, algo saltou em minha direção, me derrubando para trás com o susto. Ele ficou alguns minutos em cima de mim, urrando de forma parecida a do Golem, até que finalmente consegui lançá-lo alguns metros a minha frente. Observando melhor, notei que a criatura era semelhante a um enorme rato de laboratório de pelo cinza e dentes incisivos centrais enormes! Sua cauda longa era da grossura de um cabo de eletricidade que ia afinando até chegar na ponta. Ele tentou me atacar novamente, porém eu fui mais rápida e o agarrei, batendo-o contra a parede da mansão, mas o rato continuava tentando escapar. Levantei meu braço direito, preparando um soco letal em seu rosto, mas então… Eu reparei em seu olhar… Seus urros não eram de fúria, eram de medo… Aquela pobre criatura estava apavorada. Afrouxei um pouco a mão esquerda e o segurei suavemente, o olhando nos olhos.

—Você vai ficar bem, amigo… — disse, soltando-o de volta no chão. Não havia porque machucá-lo, mesmo que ele me mordesse, não teria como me ferir ou matar e nós não estávamos numa selva.

Achei que ele fosse me atacar novamente ou fugir, mas ao invés disso ele ficou ali, parado e me observando, enquanto voltava a respirar numa velocidade normal. E então eu notei: quanto mais sua respiração desacelerava, menor ele ficava, até voltar ao tamanho natural! Aquele enorme roedor havia voltado a ser um pequeno ratinho branco de laboratório, bem ali, na minha frente!

Segui meu caminho e finalmente entrei na mansão. Fiquei imaginando como ela teria sido antes do suposto acidente. Deduzi que poderia se parecer com um castelo da Idade Moderna ou algo assim. Continuei andando até chegar a um tipo de passarela de metal fechada, como a carcaça de um trem ou metrô. Vi uma porta grossa de metal amassada em uma das pontas. Acho que aquela “cápsula” era a única coisa que havia sobrado da destruição. Levei o olhar por ela e notei que ela terminava em uma enorme cratera no centro da casa. Aquele deveria ser o laboratório.

Voei para baixo e pousei dentro da sala. Com certeza alguém estava fazendo algo muito errado ali. Vidro quebrado e líquido colorido por toda parte. Alguns fios soltos e telas de computador quebradas. Continuei observando tudo até que vi um homem no canto da sala, ajoelhado em direção a parede, soluçando sem parar.

—Senhor? — eu o chamei. Ele se virou imediatamente para mim e tentou se afastar, assustado.

—Você!!! — ele gritou, se encolhendo ainda mais no canto da parede.

—Quem é o senhor? — perguntei calmamente, notando seu apavoramento. — E o que está fazendo neste lugar?

—M-meu… — ele finalmente começou a se acalmar. — Meu nome é Vladimir… Randorff!

—Randorff? Como o nome da mansão?

—Sim… Eu… Sou o dono dela…

—O farmacêutico? Bom, pelo visto medicamentos não são a sua única especialidade. Pra que servia esse laboratório?

—Réplica… — ele se levantou.

—Réplica? Réplica do que?

Vladimir levantou a cabeça e me olhou por um tempo, e então disse:

—Réplica sua…

Aquela frase me causou um tremendo arrepio por todo o corpo. Como assim uma réplica minha? Queriam criar outra de mim? Pra quê? Eu estava assustada, mas me mantive sob controle.

—Por favor, senhor Randorff, esclareça. — pedi com a voz o mais calma possível.

—Eles me mandaram criar um composto químico… Um tipo de fórmula especial que copiasse os seus poderes. Era um projeto secreto… Eu sabia que não ia funcionar…

—Quem fez isso senhor Randorff?

—A equipe de farmacologia russa. Eles souberam de seus feitos através de uma transmissão de vídeo que fizemos há um mês. Me ofereceram uma grande quantia em dinheiro…

—O senhor se vendeu… Vendeu os meus poderes sem a minha permissão… Em troca de uma mala idiota de dinheiro??? — gritei, enfurecida.

—E-eu sei… Sei que fui egoísta. Por isso ia desistir do projeto ontem a tarde! Mas quando cheguei ao laboratório, vi meu filho Mikhail perto do recipiente que continha o experimento! Ele se assustou e derrubou a fórmula no chão e ela se espalhou até um fio solto! E aí… Bum! Eu sobrevivi por sorte… E Mikhail… Ele…

—O que houve com ele?

—A fumaça tóxica… Ele… Ele a inalou e… Ocorreu uma mutação… — Vladimir começou a chorar novamente. — Mikhail se tornou algo não humano. Eu perdi meu filho…

Nesse momento tudo ficou claro em minha mente. Mikhail! Ele era o Golem! Por isso ele foi direto ao pátio da escola da primeira vez que apareceu. A raiva que ele sentia do grupo de valentões o levou até lá! Aquela era a última lembrança que ele tinha antes do acidente. Mas eu ainda não tinha entendido como ele conseguiu sumir de vista tão de repente durante a perseguição policial.

De qualquer forma eu precisava salvá-lo para que sua fúria não destruísse a cidade. E não falharia como falhei com o professor Fonsec. Minha falta de responsabilidade custou a coluna da minha melhor amiga. E aquilo não iria se repetir com mais ninguém. Nunca mais.

—Não, senhor Randorff. — tentei acalmá-lo. — O senhor não o perdeu. Vou trazê-lo de volta, é uma promessa. — conclui com firmeza e em seguida levantei voo de volta para casa.


***

Colégio Winston – Quarta-feira – 11h45min.

Ainda faltam 45 minutos para o fim da aula. Mikhail não apareceu novamente e agora eu sabia o porquê. Passei todas as aulas tentando encontrar uma maneira de detê-lo. Concluí que o gás que ele inalou fazia parte da experiência do pai dele para tentar me clonar, portanto ele poderia ter adquirido parte das minhas habilidades, como super-resistência e pele impenetrável, sendo assim, atingi-lo diretamente não era uma opção.

De repente, um estrondo seguido dos gritos de todos da classe me tirou de meus pensamentos. Era ele. Mikhail Randorff, o Golem. Estava no pátio, destruindo tudo outra vez.

Eu precisava do meu uniforme! Mas com tanta gente correndo e gritando, eu não conseguiria vesti-lo sem ser notada. Tinha que ter uma saída… Foi então que eu notei que o fluxo de alunos e professores seguia para a área do ginásio, no último andar, ou seja, as salas de baixo deveriam estar vazias.

Desci as escadas o mais rápido possível, esbarrando nas pessoas e tentando desviar delas. Estava quase chegando a sala quando a Sra. Audrey entrou na minha frente.

—Aonde pensa que está indo, senhorita Carter?

—Sra. Audrey, eu… Eu preciso pegar uma coisa…

—Não está vendo que é perigoso? Tem uma… Coisa lá fora! Nós precisamos ir para o ginásio como todo mundo!

—Por favor Sra. Audrey!

—Sem mais discussões senhorita Carter.
Nesse momento eu fiz uma coisa que eu nunca deveria ter feito.

—Mas… Mas… Sra. Audrey. — eu fingi que estava chorando.

—Senhorita Carter, o que está…

—Por favor, me deixa voltar! O que tem na sala é importante… — eu até solucei um pouquinho pra deixar mais real. — É de valor sentimental… Um presente da minha amiga… Por favor…

—Senhorita Carter… — ela suspirou. — Seja rápida.

—Certo… — eu limpei minhas lágrimas falsas e corri para a sala.

***

Saí pela janela da sala, já uniformizada, e voei para o pátio onde o Golem estava. Ele urrava em fúria, arrancando objetos pesados do chão e os lançando contra as paredes do colégio.

Eu planava bem alto atrás dele. Ainda não sabia bem como iria pará-lo. Até que ele levantou sua mão e esmurrou a parede do último andar, abrindo um enorme buraco. Por sorte, não acertou nenhum dos alunos e nem professores. Ele preparou mais um soco, mas eu voei até ficar de frente com seu enorme punho e o segurei, fazendo o máximo de força que consegui, empurrando-o logo em seguida.

—Pare! — exclamei.

O que veio em seguida me assustou um pouco, o monstro disse algo.

—Não sou fracote! — e lançou outro soco que, mais uma vez, eu bloqueei. — Não sou estranho! — a cada palavra, um golpe. — Não sou… Engomadinho! — ele lançou o último murro, mas este eu não consegui bloquear. Fui lançada direto para o outro lado da sala.

Enquanto levantava, vi o Golem esticar a mão e pegar o líder dos valentões e erguê-lo até a altura de seu rosto.

—Você… Mau! — ele grunhiu, olhando nos olhos daquele que antes foi seu agressor.

Foi aí que eu me lembrei do rato de laboratório. Assim como ele, Mikhail estava assustado e irritado com o que tinha passado todos os dias sofrendo bullying na escola. A fórmula estava apenas externando sua raiva e frustração fisicamente. Eu tinha que acalmá-lo! Então, voando apenas a alguns metros da criatura e então gritei:

—Mikhail! Para! — na mesma hora, ele olhou para mim. — Você não quer machucá-lo! Sabe que não…

—Ele… Mau! — ele estendeu o valentão para frente, mostrando-o.

—Não, não é… É só um garoto… Um garoto assustado que não sabe lidar com isso e então bate nos outros pra tentar esconder seu medo. E se você bater nele agora ficará igual. É o que você quer, Mikhail? Quer ficar igual a ele?

—Não. — ele respondeu, colocando o garoto de volta na escola.

—Então fique calmo e confie em mim. Eu vou ajudar você.

Aos poucos a respiração de Mikhail foi desacelerando e, assim como o rato de laboratório, ele começou a diminuir de tamanho até voltar a sua forma normal e então desmaiou nu, no centro do pátio. Eu suspirei, mais calma também e então sorri levemente. Estavam todos salvos.

O líder dos valentões que incomodavam Mikhail começou a aplaudir devagar e foi acelerando aos poucos, enquanto cada um começava a acompanhá-lo até que, por fim, havia uma plateia para mim. Eu me virei para eles e apenas sorri antes de levantar voo.

Vladimir Randorff foi preso após descobrirem de seus experimentos não autorizados e o pobre Mikhail foi mandado para um orfanato, já que não tinha parentes próximos que pudessem hospedá-lo. Lá, ele vai receber um tratamento especial para aprender a controlar sua raiva enquanto uma equipe de pesquisa tenta encontrar uma forma de curá-lo. Até lá, ele não tem permissão para frequentar as aulas no colégio. Eu só espero que ele fique bem. O grupo de valentões, bom, esses receberam uma semana inteira de suspensão para cumprimento de tarefas comunitárias na Casa de Repouso Long Life.


***

Hospital Central – Sexta-feira – 23h45min.

—Ah e, a propósito, a Sra. Audrey cancelou a minha tarefa especial. Disse que queria recomeçar tudo após o “incidente” e que esqueceria todas as minhas notas ruins! — eu disse para Mary, adormecida e sem reações devido ao remédio para dor que davam a ela. — Eu aprendi algo hoje, sabia? Coisas ruins acontecem e algumas delas são impossíveis de evitar. A vida nos derruba, isso é natural! Mas cabe apenas a nós mesmos decidir se vamos levantar… — senti as lágrimas inundarem meus olhos e tirei a máscara. — E você vai levantar! Eu sei! — disse com firmeza, pegando sua mão e entrelaçando meus dedos aos dela. — Virei te ver durante o dia em breve… Eu prometo.

***

Escritório da Something S.A. – Sexta-feira – 23h45min.

Lá estava o homem de terno mais uma vez, sentado em frente a sua mesa de trabalho, observando o monitor de TV. A cena dessa vez era dos alunos e professores aplaudindo Atômica após sua luta com o Golem. Mais uma vez ele sorriu e então disse a sua secretária:

—Veja como eles gostam dela… É perfeita! É exatamente de quem eu preciso para o projeto. Mas eu preciso de mais imagens! Mande todos os arquivos das câmeras de segurança da cidade para o meu computador pessoal.

—Sim senhor. — a moça respondeu e saiu da sala em seguida.

—Você é minha mina de ouro… — o misterioso sujeito murmurou olhando a imagem pausada da super-heroína em seu monitor.





O título "Garota Atômica" e todos os seus personagens são de propriedade intelectual de Isabella Denelle. É proibida a venda ou distribuição desse texto, seja ela total ou parcial.
Factory Comics 2019.




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