Garota Atômica - EP06 - T01

em 30 de março de 2020



Local desconhecido – Sábado – 10h30min.

Havia uma enorme confusão nas ruas. Policiais tentavam conter manifestantes durante uma greve de motoristas de caminhão. Os oficiais eram violentos, batiam com cassetetes e lançavam bombas de gás lacrimogênio. Todos se atacavam constantemente.

—Ódio, ódio e mais ódio por toda parte… — dizia o rapaz que observava tudo por um enorme telão que exibia todas as imagens para uma estranha sala em tons amarelos e rosados repleta de névoa. — Esses humanos… Só sabem odiar-se uns aos outros…

Nesse mesmo momento, uma jovem moça de cabelos longos e escuros adentrou a sala. Ela trazia consigo uma bandeja com duas xícaras e um pequeno recipiente com cubos de açúcar em forma de pequenos corações.

—Aqui está o chá que pediu, Valentine. — ela disse gentil e agradavelmente, colocando as coisas sobre uma mesinha também em formato de coração no centro da estranha sala.

—Obrigado. — ele se aproximou da garota e do móvel, pegou uma das xícaras e dois coraçõezinhos de açúcar, mergulhando-os, em seguida, no líquido quente.

A garota então desviou seu olhar para o telão.

—É uma pena que isso esteja acontecendo logo antes do seu dia especial…

—Bom, de qualquer forma amanhã tudo será resolvido! — o rapaz soltou um sorriso sutil para ela, que correspondeu exatamente na mesma hora. — Sabe, acho que o único problema de se ter um trabalho como o meu é saber que nunca vou encontrar o par perfeito para mim, por mais que eu passe o tempo todo encontrando para os outros…

—Não diga isso! Você vai encontrar alguém que te ame, eu tenho certeza! — a moça se aproximou ainda mais do rapaz, passando a língua entre os lábios na tentativa de umedecê-los. — Talvez você só precise olhar com mais atenção… — ela sorriu suavemente, alternando o olhar entre os olhos e os lábios do jovem.

Porém, uma voz feminina vinda das imagens exibidas no telão fez com que ele se afastasse para ver o que estava acontecendo, causando o notável despontamento de sua assistente que, envergonhada e frustrada, agora recolhia o conjunto de chá da mesinha de centro.

—O que é isso? — o rapaz tentava entender o que estava acontecendo no vídeo. Até que viu a garota em trajes cor-de-rosa bloqueando o golpe de cassetete que um dos policiais inferia sobre os manifestantes.

—Não! — ela exclamou, segurando o instrumento com certa força. — Senhor policial, não vê que está machucando pessoas inocentes?

—Estou apenas fazendo meu trabalho, garota cor-de-rosa! E quanto a você? Não deveria zelar pela justiça?

—É exatamente o que estou fazendo, senhor policial. E estou fazendo ainda mais do que deveria, eu estou fazendo o seu trabalho também.

—Meu trabalho é mandar esses baderneiros de volta para onde vieram!

—Não senhor! O seu trabalho, senhor policial, é orientá-los para que situações como essa não aconteçam! Agora olhe em volta, acha que isso é apaziguar manifestantes? O seu ódio lhe deixa cego!

Ao ouvir aquelas palavras, o rapaz da sala misteriosa sentiu algo diferente, um brilho surgiu em seus olhos e ele suspirou involuntariamente, parecia até mesmo encantado.

—É ela… — ele balbuciou, sentando-se em uma cadeira enfeitada em frente ao telão, tão enfeitada que até se parecia com um trono. — Tão… Linda…

—O que? — a assistente alternava o olhar entre o vídeo e o rapaz.

—Eu quero dados sobre a garota do vídeo! — Valentine bateu duas palmas e várias projeções holográficas de textos e vídeos sobre a heroína de Emerald City apareceram a sua volta ele começou a ler todas as informações. — Isabelly Carter… Que nome esplêndido! Superpoderes? Uau! — ele soltou um leve riso. — Ela é perfeita… Preciso conhecê-la! Nora, prepare meus melhores trajes, eu vou para Emerald City hoje!

—Mas Valentine! Ainda não é Dia dos Namorados, por que vai sair mais cedo este ano?

—Você tinha toda razão, Nora! Olhar com mais atenção! Eu encontrei meu par perfeito!

—M-mas…

—E eu farei de tudo o que for preciso para ter Isabelly Carter, a Garota Atômica, somente para mim! Ou eu não me chamo Saint Valentine, o Cupido! — ele sorriu orgulhosamente, ainda observando o pequeno holograma de Belly que seu “sistema eletrônico de querubim” havia moldado.


***

Prédio da Something S.A. – Sábado – 12h15min.

Atômica adentrou pela grande porta da sala subterrânea da Something S.A. Ela parecia exausta após seu retorno da manifestação.

—Vocês não fazem ideia de como é difícil defender manifestantes e ainda assim continuar dentro da lei! — exclamou, andando até uma cápsula no formato de seu próprio corpo, onde o sistema automático que Steve Simon havia desenvolvido para ela retirava seu traje de forma simples e rápida. — Ué, cadê o Sr. Simon? — perguntou, ao ver apenas Mary em frente ao enorme computador.

—Saiu. — respondeu ela, virando-se para Belly.

—Como assim saiu? Ele disse que ia me ajudar a praticar voo e resistência física hoje!

—Reunião pra campanha de Dia dos Namorados…

—Ah… — Belly resmungou, revirando os olhos. — Pior dia do ano todo!

Mary soltou uma risadinha. Achava as reações da amiga quanto ao feriado muito engraçadas. Desde pequena, Isabelly sempre detestou o Dia dos Namorados e, por isso, sempre que alguém menciona sobre a data, a garota reage negativamente de inúmeros jeitos: caretas, suspiros tediosos, grunhidos, resmungos…

—Não entendo porque odeia tanto o Dia dos Namorados! As pessoas ficam mais sensíveis, gentis, amorosas…

—É, e também ficam chatas, suspirantes, melosas, idiotas… Só querem saber de cartões, flores e se beijar em público! Blah! — Belly grunhiu, como se tivesse provado algo extremamente azedo. E, mais uma vez, Mary riu.

—Você só diz isso porque nunca se apaixonou por ninguém!

—E nem quero! Imagina só: eu enfrentando um brutamonte e dizendo “Ah, como eu amo meu bombonzinho! Sinto saudades dele! Oh!” — ela afinou a voz enquanto falava, tentando imitar, de um jeito tosco e caricato, a voz aguda e suave de uma princesinha, provocando ainda mais risos na amiga.

—Ah, para… Não é desse jeito…

—Ah não? E como você sabe?

—Bom, é que… É… — Mary desviou o olhar, parecendo um tanto desconfortável.

—Não me diga que você… Mary, você tá apaixonada?

—Não!

—Ah, ah! Pode me contar quem é ele já! — Belly correu até a outra garota e começou a distribuir cócegas pela sua barriga.

—Belly! — Mary gargalhava. — Para! Não é justo, você sabe que eu não posso te chutar! — brincou, enquanto tentava tirar as mãos da outra de perto de si.

—Tá bem, tá bem! — ela se afastou, olhando Mary com um sorriso malicioso. — Mas eu vou acabar descobrindo quem é!

—Ok! Pode tentar! — a cadeirante sorriu confiante. — Você não vai descobrir nunquinha! Porque não tem ninguém!

—É o que nós vamos ver!

Nesse momento, um tremor de terra acompanhado de um fortíssimo estrondo assustou as garotas que logo foram até o computador principal para tentarem descobrir o que os havia causado. Mary digitou alguns códigos para acessar o sistema de captação sísmica de Emerald City.

—O ponto de origem está na Praça Principal! Alguma coisa caiu lá! — disse Mary, digitando mais alguns códigos.

—Certo, eu estou indo! — Belly correu de volta para a mesma cápsula que retirara seu traje anteriormente e esta, ainda mais rápido, a vestiu novamente. Logo, Garota Atômica estava pronta, saindo do local o mais veloz que conseguia.


Praça Principal – Sábado – 12h40min.

Quando cheguei no local, avistei uma enorme nuvem de poeira que cobria tudo. Me aproximei mais do que parecia ser o centro do problema. Foi quando notei uma estranha silhueta, que se aproximava de mim. Logo, tomei posição de ataque e perguntei em alto e bom tom:

—Quem está aí?

O ser continuou se aproximando até que a poeira baixou, revelando um rapaz loiro de olhos azuis bem intensos, talvez uns dois anos mais velho que eu. Ele usava uma armadura dourada fosca com um porta-flechas atravessado no peito e uma capa branca descia por suas costas. Não vou negar, ele era muito lindo. E assim que me viu um leve sorriso surgiu em seu rosto. Eu fiquei confusa, aquele garoto não parecia mau, mas havia algo nele que me deixava desconfiada.

Ele continuou se aproximando de mim, parando quando estava apenas a alguns centímetros de distância. Eu continuei o olhando, até que ele se ajoelhou a minha frente e, pegando minha mão direita com muita delicadeza e depois a beijando, exclamou:

—Meu amor!

—O quê??? — eu quase gritei, puxando minha mão para longe dele.

—Ei, calma… Eu sei, deve ser um choque encontrar o namorado dos seus sonhos assim de repente, mas não se preocupe, eu prometo te fazer feliz para todo sempre.

—Namorado? Como assim? Eu nem te conheço!

—Seu coração me conhece. E o meu a você! Eu sei tudo sobre você!

—Você é louco!

—Veja só, nossa primeira briga… Parece até que estamos juntos há uma eternidade!

—Você quer me escutar por favor? Eu não sei quem é você, não sei o que está fazendo aqui e além do mais, eu jamais namoraria alguém como você!

Nesse exato momento, notei o sorriso do rapaz desaparecer de uma só vez.

—Mas… Você deveria gostar de mim… — ele balbuciou, atônito.

—Como eu poderia? Eu nem sei quem você é!

Ao ouvir minhas palavras, ele abaixou a cabeça e suspirou, decepcionado. Eu o olhei por algum tempo e acabei me comovendo um pouco, não gosto de ver pessoas tristes, principalmente quando eu fui a causa da tristeza. Pensei em falar com ele novamente, mas antes que eu pudesse me aproximar, ele levantou a cabeça bruscamente e, dando apenas um pequeno salto, começou a volitar em minha frente.

—Não está certo! — exclamou, furioso. — Você tem que me amar! E você vai! Ninguém rejeita Saint Valentine! Ninguém escapa da flecha do Cupido! Nem mesmo você, Garota Atômica!

Logo em seguida, o rapaz voou para cima numa velocidade incrível até mesmo para mim, causando uma onda de choque que me fez firmar os pés no chão para não ser jogada para trás pelo vento. E continuou subindo e subindo, até sumir por entre as nuvens. Aquilo foi muito estranho.

Assim que Saint Valentine partiu e levantei vôo e subi para fazer a volta pela praça, afinal, aquele maluco abriu uma cratera no meio de um espaço público e muito provavelmente haveria pessoas precisando de ajuda por ali.


Prédio da Something S.A. – Sábado – 18h30min.

Eu tinha acabado de voltar da minha ronda diária. Problema na praça não foi tão sério, então eu preferi dar uma volta por Emerald City para ver como estavam as coisas. A cidade estava quase toda decorada para o Dia dos Namorados, havia flores, faixas e balões em vários lugares. E nenhum crime sequer. Sem roubos, sequestros relâmpagos, nada! Aquilo era ótimo, mas, ao mesmo tempo, estranho. Será que todo mundo havia parado para comemorar o Dia dos Namorados?

—Aqui está! — eu disse, levando até Mary uma bandeja de papelão com dois copos de café. — Caramelo Machiatto com bastante chantili! O seu é o da direita, descafeinado porque sua mãe não gosta que você beba coisas com cafeína.

—Aaah… — ela soltou um resmunguinho, mas logo em seguida agradeceu. — Obrigada. Como você conseguiu tirar o traje pra ir até a cafeteria? E… Onde você o deixou enquanto estava lá?

—Eu não tirei… — respondi, tocando as têmporas enquanto lembrava o quão constrangedor era entrar num estabelecimento usando meu uniforme. — O Sr. Simon ainda não voltou?

—Não. E de qualquer forma, nós temos que ir embora. Eu disse pra mamãe que eu ficava no trabalho novo até as 18h.

—Ih, é mesmo! Você tem “toque de recolher”! Deixe um bilhetinho pro Sr. Simon e eu te acompanho até a sua casa.

Assim que terminou de digitar o recado, Mary se afastou do computador e nós duas saímos pelos fundos do prédio.

Passamos todo o caminho conversando e rindo como sempre fazíamos. Eu a ajudava empurrando a cadeira de rodas e confesso que às vezes corria um pouco só para provocá-la. Não demorou muito até chegarmos a casa de Mary. Ela então se despediu de mim e entrou.

Aquele parecia ter sido um dia como qualquer outro, menos por uma coisa: um forte temporal começou a cair de repente enquanto eu caminhava para casa. Mas não havia sinal de nuvens durante todo percurso que fiz até chegar àquele ponto. Corri até para baixo de um toldo de uma loja de sapatos todo decorado com flores e balões vermelhos. Fiquei ali por um tempo esperando a chuva passar, até que vi, a alguns metros de onde eu estava, uma garota correndo e puxando uma pequena mala de viagem, enquanto abraçava o próprio corpo com a mão que estava livre, tentando se proteger da tempestade. Ela continuou por algum tempo, até que acabou tropeçando em um pequeno vão na calçada e cair numa enorme e suja poça d’água. Eu não deveria sair do meu cantinho seguro debaixo daquele toldo ou pegaria um resfriado! Mas meu instinto de super-heroína falou mais alto. A moça não parecia nada bem e eu não queria deixá-la ali sozinha, podia ser perigoso!

Então eu corri até ela, sentindo a chuva forte molhar toda minha roupa e, consequentemente, meu corpo.

—Hey! — chamei, enquanto a ajudava a se levantar. — Você se machucou?

—A-acho que não… — ela respondeu, quase como num sussurro.

—Vamos, tem um lugar coberto bem ali! — eu a puxei com delicadeza para baixo do toldo da loja onde eu estava logo antes de avistá-la. Nós duas estávamos ofegantes por causa da correria e dos golpes de ar frio que nos atingiam. — Tem certeza que está tudo bem?

—Tenho… — ela tossiu algumas vezes e então passou uma das mãos pelo rosto, retirando alguns fios de cabelo molhados que atrapalhavam sua visão. — Obrigada… — ela sorriu muito sutilmente, sem sequer mostrar os dentes e finalmente eu pude vê-la mais detalhadamente.

Era uma garota muito bonita. Linda, na verdade. Um pouco mais alta que eu, tinha os cabelos quase totalmente pretos, exceto por uma mecha azul bem forte na parte da frente. Seus olhos eram de um verde-esmeralda profundo e intenso, do tipo que não dá para parar de olhar. Ela estava usando uma jaqueta de couro preta com um suéter de branco de gola alta por baixo que, por conta da água, estava grudado em seu corpo, deixando suas curvas bem definidas em evidência. Na parte debaixo usava uma calça jeans escura também apertada, mas nesse caso eu tinha quase certeza de que a chuva não tinha nada a ver com aquilo.

—O que está fazendo aqui fora no meio desse temporal? — perguntei, um pouco preocupada e notei um sorriso um pouco maior surgir em seu rosto. Aquele lindo rosto.

—Eu poderia te perguntar a mesma coisa! — ela retrucou, me fazendo sorrir também.

—Touché… — eu respondi e nós duas rimos. — Eu acabei de deixar uma amiga na casa dela e estava voltando para a minha… Como não tenho nenhum outro transporte além dos meus próprios pés, a chuva acabou me pegando.

—Oh, eu entendo…

—E então? — abanei um pouco uma das mãos em círculos, a olhando com certa insistência para que ela respondesse a minha pergunta.

—Ah, é claro! Desculpe! — ela exclamou, soltando uma risadinha superfofa. — Eu sou nova na cidade. Um amigo disse que iria me hospedar, mas teve uns compromissos de última hora e eu acabei sem ter pra onde ir… Acontece… A propósito, meu nome é Angel! — ela estendeu a mão para me cumprimentar e é claro que eu fiz o mesmo, apertando-a com firmeza, porém não muito forte. Eu me sentiria uma pessoa horrível se por acaso exagerasse na força e acabasse quebrando aquelas mãos tão delicadas e macias.

—Isabelly. — respondi de forma simpática. — Mas você pode me chamar de Belly se quiser… — e senti minhas bochechas esquentarem sem nenhum motivo aparente. Assim que notei que segurava a mão de Angel por tempo demais, soltei-a imediatamente, cruzando os braços.

—Tudo bem! — dessa vez ela sorriu de orelha a orelha. Aquela garota era muito fofa! — Olá, Belly!

—Olá, Angel! — respondi, rindo levemente e, notando que a chuva diminuía, resolvi perguntar: — Você tem algum lugar pra passar a noite?

—Bom, ainda não…

—Não quer vir comigo até minha casa?

Mas que raio de pergunta foi aquela? Eu nunca deveria convidar uma estranha para a minha casa. Ela poderia ser a assassina da machadinha ou alguma coisa assim! Se bem que eu sou a Garota Atômica então não teria como aquela garota me machucar.

—E-eu… não sei se deveria… — Angel respondeu, passando uma das mãos pelo braço.

—Por favor, aceite! Meus pais são compreensivos e vão entender a situação!

—Bem… — ela me olhou e eu fiz uma expressão de súplica meio que involuntariamente. — Ok, eu aceito!

Por algum motivo, a resposta positiva dela me fez querer dar pulinhos de alegria, mas é claro que eu me contive e reagi apenas com um sorriso, dizendo:

—Certo, bom… Acho que essa chuva não vai parar tão cedo então vamos ter que ir enquanto ela está mais fraca. Pronta pra correr?

Ela então me presenteou mais uma vez com aquele lindo sorriso que me fazia sentir estranhamente entusiasmada, dizendo:

—Mais que pronta!

Então eu agarrei o braço de Angel e nós duas saímos em disparada pela calçada, tentando nos molhar o mínimo possível.


Casa da Belly – Sábado – 19h30min.

Quando eu e Angel chegamos a minha casa, estávamos completamente ensopadas. Mais uma vez, ela passou a mão pelos cabelos negros para tirá-los da frente do rosto, me fazendo morder levemente o lábio inferior, ainda estava impressionada com a beleza daquela garota.

—Bem, chegamos! — disse, tirando as chaves de uma das entradas para colocar cinto que havia em minha calça e a colocando na fechadura. Quando a girei, notei que meus pais haviam trancado a porta da frente, mas eles nunca faziam isso. Eu abri a porta e dei passagem para Angel. — Pode entrar.

—Obrigada. — ela passou por mim, puxando sua pequena mala de viagem.
Eu entrei logo depois dela e fechei a porta. Estranhei um pouco, porque estava rudo muito calmo. Geralmente meu pai fica na sala vendo TV enquanto minha mãe faz alguma atividade como ioga ou treino de artes marciais leves.

—Mãe? Pai? — chamei, mas não recebi resposta alguma. Foi aí que eu notei um pequeno pedaço de papel dobrado sobre a mesinha de centro da sala. Eu o peguei e abri, era um bilhete dos meus pais.


Belly,
Saímos para a viagem anual de Dia dos Namorados. Pensamos que como já está grandinha pode tomar conta de si mesma e da casa para nós.
Os telefones de emergência estão na geladeira e tem dinheiro para as compras na última gaveta do armário da cozinha.

Voltaremos daqui a cinco dias. Beijos e abraços,
Mamãe e Papai. <3


—A viagem… — murmurei, batendo a mão na testa sem muita força, mas causando um estalo que chamou a atenção de Angel.

—Está tudo bem? — ela perguntou, parecendo preocupada.

—Bom, está, mas… Meus pais viajaram então acho que seremos só nós duas por enquanto. Tudo bem pra você? — Angel me olhou por um tempo e depois balançou a cabeça positivamente de forma muito sutil. — Ótimo! Precisa de ajuda com alguma coisa? Está com fome?

—Estou, mas eu queria… Ahm… Tomar um banho antes, se for possível… — ela olhou para baixo, meio envergonhada.

—Ah, claro! Onde eu estava com a cabeça? Você deve estar com frio, me desculpe… — ela riu, colocando a mão em frente a boca e eu achei aquilo uma graça. — O banheiro fica lá em cima, segunda porta a direita. — indiquei, apontando para a escada.

—Ok! — ela respondeu, abaixando-se em frente a sua mala e retirando algumas roupas limpas. — Você… Não quer ir primeiro? Afinal, a casa é sua e…

—Não, não, tá tudo bem! Você é minha hóspede, quero que se sinta em casa! Pode subir, enquanto isso eu preparo o jantar ou, pelo menos, tento! — brinquei, apenas para ver e ouvir aquela risadinha doce. E funcionou. Angel riu mais uma vez e, em seguida, subiu as escadas a caminho do banheiro.

***

Até que Angel não demorou muito no banho. Talvez uns 20 ou 30 minutos, tempo suficiente para eu arrumar o sofá para ela passar a noite e pedir uma pizza. Eu até tentei cozinhar alguma coisa nesse meio tempo, mas sou um completo desastre.

Quando minha inusitada hóspede desceu de volta para a sala, estava usando algo um pouco mais, digamos, confortável: uma camisola rosa bebê quase transparente e um short bem curtinho. Seu cabelo estava úmido, mas não tanto como há pouco tempo, quando fomos pegas pela tempestade, isso evidenciava ainda mais a mecha azul que carregava. Eu adoraria saber como ficava com os cabelos secos. Devia ficar ainda mais linda.

Avisei a ela sobre a pizza e expliquei sobre a minha péssima experiência com a cozinha. Perguntei se ela poderia atender a porta caso a comida chegasse e eu ainda estivesse no banho, ela disse que sim, então eu deixei o dinheiro na mesinha de centro e logo em seguida subi para o banheiro. Não demorei muito lá, sou acostumada com banhos de 15 minutos ou menos. Assim que terminei, me sequei rapidamente, penteei os cabelos e coloquei meu pijama casual: camiseta velha do papai e short largo de algodão branco.

Quando voltei para a sala, Angel estava sentada no sofá e meio que… Ajeitando a caixa da pizzaria na mesinha, algo que só fazemos quando estamos ansiosos ou nervosos com alguma coisa. Até agitada aquela garota era charmosa.

—Prontinho! — exclamei, causando-lhe um leve susto. Confesso que foi um pouco engraçado. — Desculpe, eu te assustei?

—Ah, não, não! — ela tentou se recompor o mais rápido possível. — Tá tudo bem… — e então ficou em silêncio. Nós duas ficamos assim por certo tempo, até Angel desviar o olhar para a mesinha de centro da sala. — A pizza chegou! — disse, quebrando aquele silêncio desconfortável.

—Eu vi! — respondi, rindo um pouco e abrindo a caixa de papelão que continha nossa refeição, pegando um pedaço daquele paraíso em forma de disco de massa e dando uma mordida. Mastiguei por algum tempo até notar que Angel me observava com um leve sorriso. — O que foi? — perguntei depois de engolir.

—Você… É bonita!

Senti minhas bochechas esquentarem assim que ouvi aquele elogio. Achei estranho, porque eu nunca tive aquele tipo de reação em relação a um elogio. Quer dizer, eu sou uma super-heroína popular, é normal que as pessoas me elogiem. Mas talvez não fosse normal que me elogiassem como Belly. Eu não sou o que se pode chamar de garota atraente.

—Eu… Sou? — perguntei, um pouco em graça, dando outra mordida na pizza em seguida para esconder a vergonha.

—É sim! — Angel respondeu, soltando seu doce riso. — E muito gentil também! — ela passou o dedo indicador pela mecha azul de seu cabelo, colocando-a atrás da orelha. Adorável. — Você parece gostar muito de pizza!

—O que te faz pensar isso?

—Ah, é que você come com tanta vontade… — ela disse num tom de voz um pouco mais baixo, mordendo o lábio inferior discretamente. Ela estava me provocando? — É sua comida favorita? — sua entonação fofa voltou a predominar.

—Ah, não! — eu soltei um leve riso. — Por incrível que pareça não! Minha comida favorita é frango! — mordi o pedaço de pizza com um pouco mais de força dessa vez, sujando a volta da minha boca e um pouco do meu queixo. — Opa… — murmurei baixo e apertei os lábios, passando a língua levemente entre eles para tentar limpar. Eu estiquei a mão para pegar um guardanapo, mas Angel me interrompeu, pegando antes de mim.

—Espera, deixa que eu te ajudo. — ela disse, se inclinando em minha direção e limpando a minha boca bem devagar, com o rosto bem próximo ao meu. Aquilo quase me matou! Senti meu rosto ruborizar e minha respiração parar.

Antes que eu pudesse me mexer, Angel passou o guardanapo em volta da minha boca e sorriu, o amassando e voltando para o outro lado do sofá com aquele sorriso tão fofo que ela tinha, que estava um pouco diferente dessa vez, tinha um ar quase imperceptível de malícia.

—Ah… Valeu… — eu disse, a olhando um pouco desconfortável.

—De nada! — ela respondeu, finalmente pegando um pedaço da pizza e comendo normalmente, como se nada tivesse acontecido.

Nada muito anormal aconteceu durante o resto da noite. Angel e eu terminamos de comer e ficamos conversando sobre coisas bem aleatórias como: cor favorita, filmes favoritos, o que preferíamos entre duas coisas… Nós tínhamos muito em comum. Assim como eu, ela também era uma grande fã de quadrinhos e animações de super-heróis, disse que achava que eles eram uma das melhores formas de representar a esperança, considerando como o mundo de hoje parece desistir de tentar ser melhor. Pela primeira vez, eu me senti a vontade pra falar o máximo que eu podia sobre meus super-heróis favoritos por horas e horas. Eu não tinha conversas assim nem mesmo com a minha melhor amiga! E nós continuamos falando e rindo até termos sono o bastante para irmos dormir.

Eu fui me deitar com uma sensação estranha: era como se já conhecesse Angel de algum lugar. Era meio estranho, mas aquilo me deixava alegre. Ela me deixava alegre. Eu tinha contar sobre aquela garota para Mary, ela gostaria da minha nova amiga. Mas estava muito tarde e eu muito cansada, então acabei pegando no sono.


Casa da Belly – Domingo – 9h30min.

Acordei com a luz do sol batendo em meu rosto. Mesmo tendo dormido poucas horas, aquilo não foi tão desconfortável. Me estiquei um pouco na cama e depois abri os olhos, encarando o teto por algum tempo. Assim que me senti despertar totalmente, levantei da cama num pulo e fui para o banheiro fazer as higienes matinais. Quando terminei, troquei de roupa e desci até a sala. Angel não estava mais lá. Fiquei um pouco preocupada, até que ouvi alguns ruídos vindos da cozinha. Decidi ir até lá verificar o que estava acontecendo e, para a minha surpresa, era Angel preparando panquecas.

—Bom dia! — ela disse quando notou minha presença.

—Bom dia! — respondi, a observando. — O que está fazendo?

—Ah, bom… — ela ajeitou a mechinha azul e deu aquele sorriso gracioso. — Você foi tão gentil comigo ontem me hospedando na sua casa e me oferecendo o jantar, que eu pensei em retribuir fazendo o café da manhã! Espero que não tenha problema…

—Problema nenhum! — eu sorri. — Obrigada!

—Ótimo! Sente-se! — Angel puxou a cadeira para mim e assim que me sentei, ela me serviu três panquecas cheias de calda de chocolate.

—Ah, minhas favoritas! — exclamei, entusiasmada. — Como você sabia?

—Você me disse ontem! — ela riu. Eu não me lembrava de ter contado a ela sobre minha predileção por panquecas com calda, mas decidi deixar pra lá, talvez eu estivesse com muito sono quando disse.
Pouco tempo de depois de eu ter começado a comer,
Angel serviu panquecas para ela mesma e sentou ao meu lado. Mais uma vez, notei que ela me observava levemente sorridente, com a cabeça apoiada na palma de uma das mãos. Aquilo me deixava meio encabulada, mas até que eu gostei.

—Você come de um jeito tão fofo!
Aquilo me fez engasgar um pouco. Primeiro, bonita e agora fofa?

—O que? — eu tossia, tentando me recompor. — Por que?

—Você faz isso de um jeito natural! Não economiza na quantidade!

—Tá querendo dizer que gosta de como eu sou um glutão? — eu brinquei, colocando outro pedaço enorme de panqueca na boca.

—Sim! — ela riu, colocando a mão em frente a boca.
— Exatamente isso! — e então fez uma pausa. — Belly, eu estava pensando, eu sou nova por aqui e gostaria de conhecer Emerald City. Será que você poderia me apresentar alguns lugares?

—Mas é claro! — respondi, entusiasmada. — Vou te levar para um tour pelos meus pontos favoritos da cidade! — nesse momento, senti meu celular vibrar. Era uma mensagem de Mary sobre um assalto a banco. — Mas vai ter que ser um pouco mais tarde! — completei, me levantando um pouco apressada e Angel me olhou, meio confusa. — Eu preciso encontrar uma amiga que está tendo alguns probleminhas agora, mas eu volto logo, ok?

—Ok… — ela respondeu parecendo decepcionada.

—Até daqui a pouco, então! — disse, correndo para a porta.


Banco Central de Emerald City – Domingo – 10h15min.

—Você tá me dizendo que levou uma desconhecida pra sua casa sem os seus pais saberem, deixou passar a noite e agora largou ela sozinha lá dentro? — Mary gritava no comunicador enquanto eu lutava contra alguns bandidos que tentaram assaltar o banco. — Belly, você enlouqueceu?

—Ela precisava de um lugar para ficar! Eu não podia deixá-la passar a noite na rua! — respondi, dando uma pirueta e acertando um deles direto no abdômen.

—E para de gritar, eu estou te escutando muito bem!

—E se ela for perigosa?

—A Angel? Por favor, ela é um doce de pessoa, não faria mal a uma mosquinha! — eu dei um soco no peito de outro dos ladrões. — Além do mais, não teria como ela me machucar, eu sou a Garota Atômica, posso enfrentar qualquer coisa!

—Belly, Belly… Eu tô te avisando…

—Será que dá pra relaxar? — quase gritei, enquanto lançava uma esfera de energia no terceiro criminoso, que tentava fugir. — Olha, eu vou mostrar Emerald City pra ela hoje à tarde, você pode vir junto se quiser!

—Nah, eu passo…

—Ah, qual é! É só uma amiga nova que quer conhecer a cidade, você não precisa ficar com ciúme! — provoquei, apenas para ver a reação dela.

—Eu não tô com ciúme! — ela berrou, enquanto eu pendurava os três ladrões um por um no parapeito do 3° andar de um prédio. Não pude deixar de rir, Mary ficava muito engraçada quando estava brava.

—Calma, calma! Você sempre estará no meu coração! — cutuquei mais uma vez.

—Isabelly Carter, eu juro que da próxima vez que te encontrar vou te dar um belo de um soco!

—Eu já estou a caminho daí! Pode dar quantos quiser! — respondi, tomando impulso e voando rápido e alto, de volta para o subsolo do prédio da Something S.A. para guardar meu traje.


Lanchonete Underdogs – Domingo – 12h00min.

Depois de passar algum tempo com Mary na base da Something, eu voltei para casa para me preparar para o passeio com Angel. Por algum motivo, me arrumei mais do que o normal, não queria que ela me achasse desleixada. Camisa polo branca, jaqueta vermelha e lenço preto amarrado no pescoço, aquele era o traje mais elegante que eu tinha, pelo menos pra mim era.

Nós estávamos sentadas na minha mesa favorita, perto da janela. Não demorou muito para um garçom loiro aparentando ser uns três anos mais velho que eu viesse até nós para anotar os pedidos.

—Boa tarde! Bem-vindas ao Underdogs! — ele disse, olhando apenas para Angel. Aquilo me deixou levemente incomodada, não sei se era por ser totalmente ignorada ou pelo jeito como ele olhava pra ela. Parecia um lobo faminto e aquilo me causava enjoo. — O que as moças vão querer?

—Com licença… — eu pigareei, chamando a atenção dele para mim. — Eu vou querer um cachorro-quente extragrande com uma porção de fritas médias e refrigerante grande!

—Certo… — ele anotou o mais rápido possível só para voltar a olhar para Angel. Eu queria dar meu mais forte soco bem no estômago daquele idiota. — E você, gracinha? — ele piscou para ela. Piscou! Eu me segurei ao máximo para não levantar e quebrar a cara dele ali mesmo.

Espera. Eu estava com ciúme? Ciúme de uma garota que eu mal conheço? Minha mente estava estranha…

—Só um refrigerante médio por favor… — ela respondeu gentilmente. O garçom tentou sugerir algo mais, mas foi interrompido por um simples: — Não, obrigada.

Não pude esconder o sorriso diante daquela cena. O rapaz ficou desconsertado e saiu rapidamente para buscar nossos pedidos.

—Você não come muito, não é? — perguntei, assim que o garoto loiro se afastou o suficiente.

—O que te faz pensar isso? — Angel devolveu a pergunta, apoiando a cabeça nas das mãos, com os cotovelos apoiados na mesa. Espertinha! Usou a mesma pergunta que fiz a ela na noite anterior.

—Bom, é que ontem eu comi a pizza quase inteira enquanto você, só um pedaço! A metade dele pra falar a verdade! Hoje de manhã mal tocou nas panquecas e agora pediu só um refrigerante!

—Tudo bem, você me pegou… — ela riu. — Não sinto muita fome. Além do mais, eu prefiro olhar você… — aquilo me deixou completamente sem graça. Nunca tinha recebido tantos gracejos assim em um único dia. Nem mesmo de garotos. Mas eu sorri mesmo assim, até que era interessante ser elogiada a cada 5 minutos.

***

Depois do pequeno almoço que tivemos, se é que se pode chamar assim, levei Angel para conhecer a Praça Principal. A entrada da frente estava bloqueada devido ao estranho incidente do dia anterior, mas eu não me importei com isso, então entramos pelas laterais.

Mais uma vez, tanto Angel quanto eu falamos bastante sobre várias coisas. Durante a caminhada, eu mostrei a ela todos os lugares da praça que eu conhecia: o parquinho onde as crianças brincavam, o jardim principal, o espaço de lazer com banquinhos para descansar e por fim o pequeno lago artesanal no centro da praça no qual vários peixinhos nadavam de um lado para o outro. Paramos um pouco para descansar antes de voltarmos pra casa, o dia já estava quase no fim e luz alaranjada do pôr do sol era relaxante.

—Você gostou? — perguntei a ela, que observava o laguinho com um leve sorriso.

—Belly, eu simplesmente amei! Esse lugar é lindo!

—Fico feliz que tenha gostado! — respondi. — Bom, acho que deveríamos ir pra casa, já está quase anoitecendo…

—Tudo bem! — insistivamente, Angel agarrou minha mão.

Aquilo me deixou um pouco assustada, mas rapidamente me acostumei. E de repente, eu e ela estávamos voltando pra casa de mãos dadas. Mais uma vez, olhei pra ela e sorri. Estranhamente, uma sensação de ansiedade começou a percorrer todo o meu corpo, eu pensei por um momento, talvez não fosse o momento certo, quer dizer, mas, ainda assim, eu precisava. Então disse:

—E-eu… Eu preciso te contar uma coisa…


Casa da Belly – Domingo – 17h45min.

—Você o que??? — Mary urrou do outro lado da linha.

—Eu contei pra ela! Disse que sou a Garota Atômica!

—Belly, eu nunca tive tanta vontade de te esganar em toda minha vida! Você perdeu a noção??? Foi você mesma que disse que sua identidade deveria ser um segredo e agora solta uma pérola dessas assim, do nada? E pra uma desconhecida???

—Ela não é desconhecida! É a Angel! E ela é totalmente confiável, não é Angie? — perguntei, dando uma piscadinha pra ela.

—Sim, Bell-Bell… — Angel respondeu, com a voz doce de sempre.

—Viu só? Ela é confiável!

—Belly, como é que eu posso te dizer isso, é… VOCÊ CONHECE ELA SÓ HÁ 24 HORAS!!! E que história é essa de Bell-Bell?

—Ah, já entendi… Você está com ciúme…

—O que??? Mas é claro que não! Que absurdo!

—Para de mentir pra mim! Quando eu te chamei para o passeio hoje de manhã você se recusou só de ouvir falar da Angel! Você não suporta o fato de eu ter outra amiga!

—Belly… — eu ouvi ela suspirar, parecendo muito irritada. — Eu vou fingir que você não está me dizendo isso… — ela fez uma pausa. Será que eu peguei pesado? — A gente se vê amanhã? — a voz de Mary agora soava levemente triste.

—Mas é claro! Assim como em todos os dias! — respondi, tentando animá-la.

—Tudo bem! — pude notar, pelo tom de voz, que ela sorria. — Até amanhã, “Bell-Bell”! — ela zombou, rindo.

—Ei! — eu acabei rindo também. — Até amanhã! — concluí, desligando o celular.


Casa da Belly – Domingo – 23h45min.

Belly estava em sua cama, adormecida. Ela respirava profundamente, o que queria dizer que seu sono estava bem pesado. De repente, uma sombra passou pelo corredor. A garota se mexeu um pouco, mas continuava imersa em seu sono. A mesma sombra continuava se movendo, se aproximando mais e mais até invadir o quarto da adolescente.

A luz da lua que entrava pela janela chocou-se contra a face do ser sombrio, revelando-a como a mesma garota que Belly estava hospedando em sua casa. Ela estava séria e, em sua mão estava uma flecha dourada que emitia um estranho brilho amarelado.

A luz do objeto acabou fazendo com que Belly despertasse, mas antes que pudesse sequer entender o que estava acontecendo, Angel se pôs sobre a garota, prendendo seu corpo entre suas pernas e tapando-lhe a boca com certa violência, deixando-a em tão grande estado de choque, que mal conseguia usar seus poderes para reagir.

—Me desculpe, Bell-Bell. Acredite, isso vai doer mais em mim do que em você! — disse, logo antes de cravar a flecha exatamente no coração da garota.


***

Casa da Mary – Segunda-Feira – 13h30min.

A garota se movia de um lado ao outro de seu quarto, com o celular nas mãos e os olhos vidrados na tela. Fazia horas que tentava contatar Belly, mas não obtia nenhuma resposta. Nem mesmo a Garota Atômica havia feito patrulha pela cidade ainda.

Mary tentou se acalmar e penar nas possibilidades do que teria acontecido. Tentava manter o pensamento positivo:

—Talvez ela ainda esteja dormindo. É cansativo lutar contra vilões o dia todo. — Murmurava para si mesma, enquanto movia a cadeira de rodas pelo quarto. — Bom, talvez ela esteja com a tal da Angel… Ela tem estado muito distraída desde que a conheceu…

O toque do telefone tirou imediatamente a garota de seus pensamentos. Ela atendeu o mais rápido que podia, pensando ser a melhor amiga. Infelizmente, ela estava errada.

—Alô?

—Olá, Mary. — respondeu o homem do outro lado da linha

—Ah, oi Sr. Simon. O que houve?

—A Belly não apareceu para a sessão de fotos hoje. Eu mandei algumas mensagens para ela, mas não recebi resposta alguma. Você sabe o que aconteceu?

—Não sei não. Ela também não me responde nem atende às ligações desde ontem à noite. Belly não costuma ficar tanto tempo sem dar notícias.

—Eu vou ver se consigo rastreá-la através do sistema de câmeras de segurança. Se ela está em qualquer lugar da cidade, eu posso encontrar.
A campainha da casa de Mary começa a tocar desesperadamente.

—Tudo bem. Eu preciso desligar agora, tem alguém na porta. Talvez seja ela! Obrigada Sr. Simon.

—Sem problema. Qualquer novidade, por favor, não hesite em me comunicar.

—Certo. - ela finaliza a ligação. A campainha continuava gritando sem parar. Alguém realmente queria ser atendido.
Mary vai até a porta da frente o mais rápido que consegue e, ao abrí-la, depara-se com uma moça de cabelos longos, lisos e escuros. Seus olhos traziam um misto de preocupação e ansiedade. E sem dar tempo para que a garota pudesse perguntar quem ela era, a jovem exclamou:

—Eu sei onde sua amiga está. E ela está com problemas.

***

—Ok, ok. Deixa eu ver se entendi direito. — Mary acompanhava a garota, que caminhava rápido pela calçada. Seus olhos pairavam de lugar em lugar, como se estivessem à procura de algo. — A Angel na verdade é o Cupido que se disfarçou de menina pra se aproximar da Belly e fazê-la se apaixonar por ele???

—Exato. E nós precisamos detê-lo rápido antes que a flecha faça efeito.

—A flecha? Tá falando das flechas que o Cupido usa pra fazer as pessoas se apaixonarem umas pelas outras?

—Sim! Elas são todas enfeitiçadas pela Magia do Cupido. Valentine costuma usá-las em quantidades diferentes dependendo do nível de “ajuda” que cada casal precisa pra finalmente aceitar seus sentimentos. É pra ser só um empurrãozinho, mas ele usou uma dose além da conta na sua amiga.

—Mas por que ele faria isso? Qual é a dessa obsessão pela Belly?

—Ele acha que ela é a alma gêmea dele.

—O quê??? Por quê???

—Eu não sei! Não faço ideia do que ele viu na sua amiga. É só uma garota usando máscara e roupa rosa! — o tom de voz dela evidenciava seu sentimento de ciúme. — Eu disse ao Valentine que ele encontraria o amor um dia, mas não esperava que algo assim fosse acontecer! — finalmente, a moça parou de andar. Ela estava de frente para uma parede de tijolos quando tirou um aparelho dourado parecido com algum tipo de controle remoto do bolso de seu vestido e o apontou para o muro. Quase que na mesma hora, um portal brilhante, com uma mistura de azul, lilás e verde se abriu. Mary ainda tentava processar o que acontecia. — A propósito, meu nome é Nora!

Preocupada com a amiga e sem ter tempo para mais questionamentos, a adolescente acompanhou Nora para dentro do portal. A única coisa em que ela podia pensar naquele momento, era em resgatar sua amiga e levá-la de volta pra casa a salvo.


***

Local desconhecido – Segunda-feira – 14h05min.


Eu despertei em um lugar estranho. Só conseguia ver névoa e sentia como se meu corpo flutuasse sobre algum tipo de cama plasmada. Pude notar que estava vestida com meu uniforme, mas tinha quase certeza de que tinha ido dormir sem ele. Senti uma estranha tontura e coloquei a mão sobre a cabeça, tentando me lembrar do que aconteceu na noite anterior.

Nada. Era como se minha memória tivesse sido apagada. Não totalmente, claro, eu ainda sabia quem era, quantos anos tinha, o colégio onde estudava, os membros da minha família, minha melhor amiga
Mary… Mary! No exato momento em que pensei nela, uma forte dor de cabeça me fez cair de volta naquela espécie de colchão de nuvens e eu apaguei mais uma vez. Não sei por quanto tempo fiquei desacordada, mas assim que abri meus olhos pela segunda vez, com a visão turva, notei a presença de alguém na sala.

—Bell-Bell? — eu reconheci aquela voz imediatamente.

—Angel? — assim que minha visão voltou ao normal, eu pude vê-la de pé, ao lado da cama. Uma estranha euforia invadiu meu peito de forma descontrolada e, involuntariamente um sorriso surgiu em meu rosto.

—Eu estava esperando que você acordasse! — ela disse, pegando minha mão e fazendo um leve carinho com seu polegar. Mais uma vez eu me sentei na cama e imediatamente senti os braços dela me envolverem e seu corpo se unir ao meu, num abraço forte.
Estranhamente, eu já não me preocupava mais com onde ou o que era aquele lugar, só queria continuar abraçada com ela. Infelizmente, ela separou o corpo do meu, mas, ainda assim, continuou com as mãos em torno da minha cintura. Novamente, ela sorriu pra mim. — Essa é a minha casa.

—Sua casa? — indaguei, um pouco confusa. Mas estava tão atordoada que mal consegui pensar em fazer qualquer pergunta.

—Sim! Você me hospedou na sua casa e agora eu estou retribuindo o favor. É a minha forma de te agradecer… — aquele sorriso me derretia. — Venha comigo, quero te mostrar tudo! — Angel me estendeu a mão e eu instintivamente a peguei, descendo da cama e acompanhando-a por aquele grande vazio. Foi quase como se meu corpo agisse por si só.

Nós caminhamos por algum tempo, mas eu ainda não via nada além da forte névoa que preenchia todo o espaço. Era como se quanto mais caminhássemos, mais longe estivéssemos de um destino. E aquilo me dava uma estranha sensação de infinito. Até que finalmente chegamos em uma espécie “sala” e o nevoeiro tomou tons amarelos e rosados.

Eu olhei em volta, observando tudo muito atentamente. Havia uma poltrona flutuando a mais ou menos meio metro do chão, virada para um enorme telão desligado.

—E aqui é onde eu passo a maior parte do tempo. Esta sala tem informações sobre qualquer pessoa de qualquer lugar do mundo. — Angel disse, notando o quão impressionada eu estava.

Eu tinha muitas perguntas, mas algo em minha mente me impedia de fazê-las. Aquilo era estranho, era como se estivesse sendo forçada a simplesmente aceitar todas aquelas revelações repentinas sem questionar.

—Eu posso te mostrar como funciona. Você quer?

—Sim! — aquilo simplesmente saiu da minha boca. Eu mal tive tempo de pensar.

—Ótimo! — Angie sorriu mais uma vez, me deixando totalmente confortável com aquela situação. —
Primeiro, sente-se ali! — ela apontou para a poltrona flutuante. Mais uma vez, insistivamente, eu a obedeci. Em seguida, ela bateu duas palmas rápidas e curtas e, na mesma hora, o telão ligou e várias imagens de diferentes pessoas começaram a passar em sequência. No canto inferior, havia um sinal de coração, preenchido apenas até certa parte da figura, dependendo de cada sujeito.

Quando notou que eu estava observando o símbolo, Angel mais uma vez bateu duas palmas, e a imagem na tela mudou para um perfil completo de um senhor que eu não conhecia.

—Vê? — ela continuou. — Eu tenho uma tela dessas pra cada pessoa no mundo. E bom, eu estive pensando, você é a Garota Atômica, certo? — eu apenas confirmei com a cabeça. — Acho que esse tipo de tecnologia seria bem útil pra você. Você poderia vir aqui sempre que quisesse, nós poderíamos nos ver sempre!

—Onde quer chegar, Angel? — pela primeira vez consegui deixar que algo relevante saísse da minha boca.

—Ok, eu vou direto ao ponto. — ela caminhou para perto da poltrona e se ajoelhou em minha frente. — Belly, eu sinto algo por você.

—O que???

—Desde que eu vi você pela primeira vez eu soube: você é minha alma gêmea! — ela se inclinou rapidamente em minha direção e agarrou minhas mãos com certa força. Seus olhos estavam vidrados nos meus e ela falava cada vez mais rápido e mais forte. — Isabelly, eu quero que você seja minha!
Aceite minha confissão e nós ficaremos juntas pra sempre! Eu te farei café da manhã todos os dias e te esperarei todas as noites quando você terminar seu trabalho de super-heroína. Você aceita? — ela colocou uma das mãos em meu rosto, ainda olhando fundo nos meus olhos. Aquilo era um pouco assustador, mas, ainda assim, eu me sentia alegre.
Eu nunca pensei que alguém fosse gostar de mim um dia e ouvir isso de uma garota bonita como a Angie era surpreendente.

Mas a verdade é que eu estava confusa. Não sabia o que responder. Afinal, eu tinha uma casa, uma família e o principal: apenas 16 anos! Ainda assim, eu queria aceitar. Quer dizer, quando algo assim aconteceria de novo? Nós tínhamos muito em comum, ela era linda e o melhor: gostava de mim. Talvez fosse hora de parar de lutar e simplesmente aceitar que eu estava apaixonada por ela!

—E então? — ela insistiu, se aproximando ainda mais.

—E-eu…

Minhas mãos tremiam de nervosismo e parecia ter um milhão de borboletas dançando no meu estômago. Felizmente, outra voz feminina me interrompeu antes que eu pudesse dizer qualquer coisa:

—Valentine!!! — ela gritou. Quando eu olhei na direção de onde havia vindo e me deparei com Mary acompanhada de outra garota que eu não conhecia. Foi ela quem gritou.

Surpreendentemente, Angel atendeu ao chamado, desviando imediatamente o olhar para a dupla e me deixando ainda mais confusa.

—Nora? — ela respondeu, se levantando e se afastando de mim. O olhar dela tinha um misto de surpresa e frustração, como se não quisesse que elas tivessem aparecido naquele momento.

—Largue essa garota agora, Valentine!

—Angie, o que está acontecendo? — eu perguntei. — Quem é Valentine?

—Está tudo bem, Bell-Bell, eu resolvo isso, confie em mim. — mais uma vez ela voltou sua atenção para Mary e Nora. — O que está fazendo aqui? E por que a trouxe com você?

—Você precisa parar essa loucura antes que alguém se machuque! Ela não é quem você pensa…

—Sim, ela é! — Angie exclamou e sua voz se distorceu em duas frequências diferentes. — Eu demorei mais de 4 mil anos para encontrar minha alma gêmea e agora que ela está aqui, não vou simplesmente deixá-la escapar! Bell-Bell – mais uma vez ela agarrou minhas mãos. — Aceite minha confissão logo, será melhor para nós duas, você verá…

Novamente, eu não pude responder, mas dessa vez foi Mary quem me interrompeu:

—Ela está te enganando, Belly.

—O que? — eu olhei para Mary. Mas assim que o fiz, senti uma forte tontura e minha visão começou a ficar turva.

—Calada, mortal! — Angel vociferou, porém Mary continuou a falar.

—Angie não é uma garota. Ela nem sequer é um ser humano! Ela é aquele loiro estranho que se declarou pra você na praça!

—Valentine… Saint Valentine! — eu exclamei, com um pouco de dificuldade, já que a tontura aumentava cada vez mais.

—Isso! Depois que você o rejeitou, ele ficou tão frustrado que simplesmente tudo o que deseja é te forçar a ficar com ele!

—Mas… Eu… Eu quero ficar com a Angie…

—Belly, preste atenção em mim, agora. Você não quer ficar com a Angie, só está dizendo essas coisas porque foi enfeitiçada pela Flecha do Cupido! — a voz de Mary soava cada vez mais longe.

Naquele momento, tudo o que eu conseguia ver era o rosto de Angel em minha frente. Eu tentava com todas as minhas forças recuperar meu equilíbrio mental, mas doía. Doía tanto a ponto de me deixar com as pernas bambas. Mary insistia:

—Belly pense bem, você não está agindo normalmente! Lembra de como você me disse que odeia o Dia dos Namorados? “A pior época do ano”, você disse! Disse que não queria ficar sensível e melosa, uma tonta! Então para! Por favor…

—Tarde demais, mortal! — Angie respondeu, com a voz distorcida. — Ela é minha agora!

Eu mal tive tempo de entender o que estava acontecendo. Quando dei por mim, Angie havia me agarrado pela cintura e estava me beijando. Pude ouvir o grito de Nora abafado pela minha própria tontura, enquanto aquele beijo se intensificava.

Meu primeiro beijo. Ele durou por mais algum tempo até que Angel finalmente me soltou e olhou em meus olhos, dando um leve sorriso. Eu pensei que seria especial, pensei que eu sentiria mais do que simplesmente os lábios de outra pessoa encostando nos meus. Claro, eu não achei que seria como nos filmes, com toda aquela magia e exagero, mas ainda assim, eu esperava mais… Eu continuei em silêncio por mais algum tempo, sem expressar qualquer reação, ainda processando o que acabara de acontecer. Foi quando vi Nora ajoelhada no chão, eu a via soluçar em prantos. Movendo o olhar um pouco para o lado eu vi minha melhor amiga com uma expressão de choque em sua face. Uma única lágrima escorreu por seu rosto.

Naquele exato momento eu senti uma estranha dor em meu peito. Foi como se o peso de todas as coisas ruins que eu já fiz na vida tivesse se acumulado e caído sobre mim ali mesmo. Era ruim, muito ruim. Eu quase podia sentir como se meu coração tivesse se partido. Quando voltei a olhar para Angie, ela não era mais uma garota, mas sim o mesmo rapaz loiro que me abordara na praça antes. Aquilo me deixou furiosa. E, de repente, minha tontura passou. Eu estava sóbria novamente e com muita, muita raiva.

—Mentiroso. — eu disse e seu sorriso desapareceu, dando lugar a uma expressão confusa.

—O que?

—Você é um mentiroso!!! — eu gritei dessa vez, empurrando-o com certa força.

—O que está acontecendo? Era… Era pra ter funcionado… — ele balbuciou e, em seguida, tentou me puxar para outro beijo, mas, novamente, eu o empurrei.

—Não encosta em mim!!! Como você pôde???

—Bell-Bell, eu não entendo…

—Não me chame de Bell-Bell!

—E-eu…

—Você me enganou! Fingiu ser outra pessoa e me fez confiar em você… Só pra me sequestrar e me forçar a te amar! Quem você pensa que é? — meus olhos encheram-se de lágrimas.

—Eu só… Eu pensei que você fosse minha alma gêmea…

—Bem, espero que tenha ficado claro que eu não sou, seu doente! — eu senti meu rosto esquentar e as lágrimas aumentarem..

—Sim, agora eu tenho certeza de que não é… — dessa vez, ele parecia desapontado.
Eu já havia enfrentado monstros gigantes que me lançavam de um lado para o outro como uma boneca, e vilões tão fortes que me fizeram desmaiar de tanto me baterem… E eu soube como lidar com eles. Mas eu nunca pensei que algo fosse me bater ainda mais forte que todos esses bandidos juntos, do lidar com um coração partido

—Se você fosse minha verdadeira alma gêmea, o efeito da flecha teria se intensificado quando eu te beijei, mas o que aconteceu foi exatamente o contrário. Eu peço mil perdões pelo meu engano, Isabelly Carter… — novamente, ele se ajoelhou em minha frente, dessa vez como uma reverência. E dessa vez eu pude sentir a sinceridade em suas palavras.

—Eu te desculpo se parar de se ajoelhar aos meus pés. E prometer que nunca mais vai sequestrar pessoas e tentar forçá-las a gostar de você. — respondi, em tom de brincadeira, um pouco menos irritada que antes. Ele se levantou imediadamente, dando um leve sorriso, mas eu ainda conseguia ver o quanto ele estava magoado. Porque eu também estava.

—Bem, acho que acabou. — ele fez um pausa e respirou fundo. — Mas eu ainda não consigo entender: se você não é minha alma gêmea, então quem é?

—Sou eu… — a voz feminina embargada seguida de um fungar alto chamou nossa atenção.

—Nora? — Valentine se surpreendeu com aquela confissão repentina.

—Sempre fui eu! Não se preocupe, eu já gostava de você mesmo antes de descobrir…

—Mas… Como? Eu não vi seu nome em nenhum dos registros! Por que você não me contou antes?

—Eu… Eu escondi o registro com meu nome. Não queria que você soubesse logo de cara. Pensei que você se sentiria preso a mim se te contasse. Por isso passei todos os anos desde que soube tentando te conquistar aos poucos. Eu fazia seus chás favoritos, arrumava todos os seus trajes, sempre tentei manter esse lugar do jeito que você mais gostava, talvez dessa forma, um dia, você notasse…
Mas ainda assim não foi o suficiente… — Nora começou a chorar novamente e, quase que imediatamente, Valentine a abraçou, na tentativa de reconfortá-la.

—Nora, por favor, não chore… Te ver desse jeito parte meu coração… Você sabe que eu te amo! — e foi ao dizer aquela frase que o Cupido sentiu, sem máquinas ou detectores que a assistente era, verdadeiramente, sua alma gêmea, assim como havia dito.

—Você… Me ama? — ela o olhou novamente, ainda mais surpresa que ele.

—Sim! — ele respondeu com um sorriso, finalmente se dando conta do que acabara de acontecer. E mais uma vez os dois se abraçaram. Porém, a voz de Mary os interrompeu e, após tossir um pouco para chamar-lhes atenção, disse:

—Com licença? Eu acho que vocês precisam de um tempinho a sós e, ahm… Eu e Belly não sabemos voltar pra casa sozinhas, então será que um de vocês poderia…

—Ah, sim! Só um segundo… — Valentine moveu uma das mãos e nela apareceu um pequeno e estranho controle remoto que eu nunca tinha visto antes e apontou pra um local aleatório da sala. Imediatamente um estranho portal colorido se abriu. — Prontinho.
Assim que passarem pelo portal, estarão no quarto da Belly.

—Obrigada. Vamos, Belly… — a voz de Mary parecia exausta ao manipular a cadeira de rodas, então, mais que de pressa eu me posicionei atrás dela, empurrando-a para que ela ficasse com as mãos livres. Eu estava esperando um agradecimento ou reclamação como ela sempre faz, mas só o que recebi foi silêncio.

Eu me despedi de Nora e Valentine, que continuavam abraçados em sua alegria depois de todas as descobertas e, em seguida, entrei no portal junto a Mary e nós voltamos para a casa.


Casa da Belly – Terça-feira – 11h30min.

Eu estava na cozinha, mais uma vez, causando um desastre culinário enquanto tentava preparar o almoço, quando meu celular tocou. Imediatamente, desliguei o fogo e larguei as panelas do jeito que estavam para atender. Sorri ao ler o nome de Mary na tela.

Ao mesmo tempo, ouvi a campainha e, enquanto caminhava para abrir a porta, atendi à ligação.

—Alô.

—Oi, Mary! — respondi, animada, enquanto me deparava com o carteiro.

—Recebeu meu cartão? — ela perguntou, enquanto o homem me estendia a correspondência e logo depois acenava, indo em direção a próxima casa..

—Acabei de receber! — disse, voltando para dentro e sentando-me no sofá, enquanto abria o envelope. Dentro dele, havia um cartão cor-de-rosa em forma de coração cuja capa dizia: “Feliz dia dos namorados, sua otária!” com um desenho meu usando meu uniforme logo abaixo.

—Eu sei que você deve ter ficado um pouco chateada depois do… Bom, você sabe… Achei que receber um cartão poderia te animar um pouco.

—Eu adorei, Mary! Obrigada… — mais uma vez eu sorri, apreciando o desenho que ela havia enviado.

—Hey, eu tive uma ideia! Eu estava tentando preparar alguma coisa pro almoço, mas sou desastre cozinhando. Então, o que acha de nos encontrarmos no Underdogs daqui a … Meia-hora está bom? Você paga dessa vez. Eu fiz isso da última.

—Eu pagar??? Pra você ficar se empanturrando de cachorros-quentes e acabar com toda minha mesada??? — ela reclamou, em tom de brincadeira. Nós sempre fazíamos esse joguinho.

—Ei! Eu não vou fazer isso! — eu ri.

—Eu sei quando você mente, Isabelly Carter! Além disso, você come mais que um dragão! Não sei como você não engorda! — Mary fez um pausa, até que finalmente concluiu. — Te vejo em meia hora! — e nós terminamos a ligação.





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