Em meio a uma aula de inglês extremamente entediante, uma garota de semblante cansado e ao mesmo tempo despreocupado brincava com um lápis e uma bolinha de papel. Seu nome era Isabelly Oliver Carter, mas preferia que todos chamassem-na apenas de Belly. Era uma garota alta, de cabelos castanhos ondulados e nariz reto, seus olhos eram grandes e quase sempre atentos em tudo àquilo para que tivesse interesse.
Belly não conversava muito com seus colegas de classe nem com as outras pessoas do colégio onde estudava. Ou talvez fosse o contrário: as pessoas à sua volta é que não conversavam com ela. Isso não se sabe.
Apesar de não ser uma garota tímida e não ter nada de anormal, Isabelly parecia causar certo incômodo aos outros de sua idade, talvez fosse o seu modo de pensar ou de agir, ela não era como os outros adolescentes rebeldes e desobedientes. Por mais incrível que pareça, Belly era uma garota exemplar, disciplinada e obediente, não costumava ser violenta e nem fazer coisas escondida de seus pais. Não bebia e nem fumava. Sempre foi chamada de careta. Por outro lado, ainda era uma adolescente. Vivia em seu quarto com seu celular e seu computador, lendo HQs e ouvindo músicas no último volume.
A garota estava totalmente desinteressada daquela aula. A professora falava muito, mas dizia pouco e, como já havia pesquisado sobre o tema antecipadamente, Belly, mesmo sendo bem mais jovem que a professora, sabia que ela estava explicando metade da matéria de forma vazia e pouco esclarecedora. Mas preferiu não corrigi-la porque já sabia: como em todas as outras vezes seria julgada como a metida a esperta, a que quer mostrar sua superioridade intelectual. Então decidiu ficar quieta e voltou a brincar com seu lápis e sua bolinha de papel. Mas, para o alívio de todos, faltavam apenas três minutos para que aquele entediante período de fala incessante terminasse.
Logo o som forte do sinal indicou o término das aulas. Aquela multidão de adolescentes saiu correndo da sala com tanta pressa quanto um office boy! Menos Belly. Calmamente, a garota guardava seus materiais enquanto observava aos colegas saindo como uma manada de gnus fugindo de um leão na savana. Assim que terminou, educadamente, a garota se despediu da professora e saiu da sala. Adentrando o corredor, a primeira coisa que fez foi pegar seu celular e seus preciosos fones de ouvido, dos quais ela não se separava nunca. Continuou andando até o pátio e desviando de toda aquela algazarra e barulheira típica de quando meninos e meninas do ensino médio saem da escola e seguiu o caminho para sua casa.
***
Do outro lado da cidade, no Instituto Thompson de Pesquisa e Desenvolvimento Robótico, ou apenas Instituto Thompson, uma grande e famosa universidade, um professor de mais ou menos uns 40 anos andava de modo agitado e com passos muito firmes por um dos corredores do local, carregando um conjunto de folhas de papel com uma expressão de entusiasmo e euforia em seu rosto. Seu nome era Joseph Fonsec, ele era um dos mais premiados e prestigiosos professores do Instituto Thompson. Durante toda sua vida se dedicara ao estudo e aperfeiçoamento da tecnologia. Desenvolveu grandes projetos de robôs e programação de inteligência artificial para usos diversos, desde assistentes pessoais para celular até robôs programados especificamente para procedimentos cirúrgicos delicados.
Seu projeto atual focava na área dos nanorrobôs, mecanismos microscópicos, capazes de serem inseridos até mesmo na corrente sanguínea de um ser vivo. Pretendia ele, com essa nova tecnologia, aperfeiçoar ainda mais as intervenções cirúrgicas e até mesmo melhorar a saúde, de modo que os nanorrobôs, com sua inteligência programada, seriam capazes reconfigurar células desorganizadas, desobstruir passagens bloqueadas em veias e artérias e até mesmo acelerar a reconstrução de tecidos danificados. Esse, claro, eram apenas pequenas ideias comparadas com a extensão de funções que ele planejava para uma versão popular dos dispositivos, que seria conectada à rede mundial de computadores, dando ao usuário a possibilidade de manipular e controlar outros dispositivos à distância, apenas usando a fala ou o pensamento.
Os outros pesquisadores e professores, em sua maioria céticos ou somente invejosos, achavam que o desenvolvimento dessa tecnologia era algo impossível! Por muitas vezes riam de Joseph, o chamavam de louco. Mas o homem era inteligente e plenamente consciente de como executar seus planos.
O professor se encaminhava, agora, para a sala de um de seus colegas, que também era o seu melhor amigo, o único que acreditava que suas pesquisas e seu trabalho resultariam em algo concreto e maravilhoso. Ao chegar à sala, bateu à porta desesperadamente e logo em seguida a abriu já adentrando no local e dizendo com toda energia que pôde:
—Eu consegui! Eu consegui!
—O que? — o outro professor, que escrevia um longo relatório em seu computador, levantou-se rapidamente e olhou para o colega.
—Edward, eu consegui! — Joseph balançava seu conjunto de folhas com um entusiasmo anormal. — Eles funcionam!
—Não pode ser…. — o professor Edward logo pegou seus óculos e os colocou, estendendo a mão e tomando as folhas das mãos do amigo. Após ler uma pequena parte do relatório do colega, sua expressão mudou de surpresa para um sorriso entusiasmado.
—Testei um dos nanorrobôs em ratos, injetei na corrente sanguínea. Para fazer um teste mais concreto, este robô possuía uma câmera! Eu consegui ver cada glóbulo!
—Você é mesmo um maluco, Joseph! — Edward riu e deu duas batidinhas no ombro do colega. — Nunca deixe essa insanidade sair de você! Será que… Eu posso ver?
—Mas é claro! Vamos! — com muita ansiedade e animação, os dois professores seguiram até a sala de Joseph.
Belly entrou em casa e já foi logo jogando sua pesada mochila no sofá, assim como fazia todos os dias. Em seguida, foi direto pra cozinha para falar com Anabel Carter, sua mãe e, claro, ver se o almoço estava pronto.
—Mãe, cheguei! — ela exclamou, entrando na cozinha.
—Como foi a aula? — a mãe da garota mexia em seu celular, sentada em frente à mesa parecendo muito concentrada.
—Ah, a mesma coisa de sempre… Os professores sendo chatos, a classe fazendo bagunça…
—Você não estava fazendo bagunça, estava? — ela tirou os olhos da tela do celular e olhou diretamente para Belly.
—Não, eu não! — a menina respondeu, indo até a geladeira e abrindo a porta.
—Você já vai almoçar, pode parar de procurar coisinhas! É sempre assim, você acha alguma guloseima na geladeira e depois larga o almoço aí.
—Está bem… — Isabelly fechou a porta da geladeira e foi até o armário pegar um copo para beber água. — Ah, o professor de química pediu um trabalho prático essa semana! Acho que eu vou ter que sujar a cozinha um pouquinho!
—Contanto que você limpe depois…
—Ele disse pra montar uma reação química simples e descrever o que aconteceu nela! Acho que vai ser até que bem rápido. Ah! Quase me esqueci de te avisar! A Mary vem aqui amanhã. Eu pedi pra ela me ajudar com o trabalho.
—Fazer o trabalho, aham, sei… Vão é ficar o dia inteiro na sala vendo séries e se empanturrando de besteiras!
Mary Kaplan era a melhor amiga de Isabelly. Elas não estudavam no mesmo colégio, mas faziam cursos extracurriculares juntas. Ainda mais alta que Belly, nariz anguloso, cabelo curto e óculos. Era bem parecida com a amiga: quieta, quase sem amigos e com ideias diferentes das outras garotas da sua idade. Talvez fosse por esse motivo que as duas se davam tão bem.
O dia de Belly foi o mais normal possível: almoçou, foi para o quarto e ficou por lá até a hora de tomar café, depois voltou para a cozinha e cumprimentou seu pai, que chegava do trabalho a essa hora e depois ficou o resto da noite no computador até a hora de dormir.
No dia seguinte, no Instituto Thompson, o professor Joseph discutia com o pessoal da diretoria. O motivo da discussão era o cancelamento de seu projeto de nanorrobôs com inteligência artificial. Isso porque, na noite anterior, quando lhes mostrou os testes que havia feito em com a injeção de nanorrobôs na corrente sanguínea do rato, notou que a cobaia estava morta. Joseph não entendia como aquilo poderia ter acontecido já que seu experimento funcionava perfeitamente pela manhã.
—Isso já foi longe demais, professor Fonsec. — disse um dos diretores seriamente.
—Mas senhor! Eu sei que há uma forma de corrigir as falhas! Eu só preciso de mais tempo!
—Nós já te demos tempo demais, Fonsec! — exclamou outro diretor, impaciente. — O seu projeto não passa de uma bobagem utópica! Nós gastamos verba que poderia ser muito melhor utilizada em outros setores e não recebemos nada em troca.
—Mas eu…
—Já tomamos nossa decisão, professor. O Projeto Gigabyte está oficialmente cancelado. O senhor tem até amanhã à tarde pra recolher seus materiais e limpar a sala.
Joseph abriu a boca para implorar por mais uma chance de continuar seu projeto, mas o diretor mais impaciente o interrompeu antes que pudesse dizer qualquer coisa:
—E sem contestações. Decisão tomada é decisão tomada. Você já pode sair.
De cabeça baixa, sentindo-se derrotado, o professor Joseph saiu da sala dos diretores e se dirigiu à sua. Mas, chegando lá, em vez de começar a guardar suas coisas, parou em frente a sua mesa e ficou pensativo por um tempo. Até que, de repente, arregalou os olhos e exclamou:
—Energia! — num impulso, ele começou a limpar toda sua mesa e a preparar algumas de suas ferramentas e papéis com os modelos dos nanorrobôs que havia desenvolvido anteriormente. — Como eu pude ser tão idiota? Os robôs não podem manter-se em atividade sem energia! As baterias precisam ser recarregadas…. Mas…. Como? — novamente, o professor parou para pensar e logo teve mais um dos seus flashes — Energia humana! É claro! O corpo humano é capaz de transmitir energia de diversas formas! Impulsos elétricos, calor!
Logo, ele começou a trabalhar em sua nova ideia. Em sua mente, não parecia tão complicado, já que o sistema de absorção de energia por calor corporal já era utilizado em alguns celulares asiáticos. Ele só precisava diminuir o tamanho do sistema até torná-lo tão pequeno de modo a ser acoplado em robôs microscópicos.
Já era de madrugada quando Joseph finalmente terminou o serviço. Não havia mais ninguém no prédio da universidade. Além da instalação do sistema de carregamento de energia, o professor ainda passou o dia trabalhando na programação e desenvolvimento de uma inteligência artificial ainda mais aperfeiçoada do que todas que já havia feito antes, já integrada ao dispositivo de conexão de rede sem fio. Conseguiu corrigir uma quantidade razoável dos seus micro-aparelhos contando com o tempo que teve para realizar tudo. Assim que terminou de revisar cada um dos microequipamentos, parou um pouco para descansar. E por mais que quisesse fazer sua mente relaxar, ela não parava, e parecia trabalhar cada vez mais rápido.
—Eu preciso de uma cobaia! — disse ele, sentado em sua cadeira. Joseph não tinha uma cobaia para testar seu experimento, o rato que morreu no teste anterior, era o seu último.
Ele parou por um tempo e suspirou. De que adiantou ter todo aquele trabalho se ele não tinha uma cobaia para testar? Foi então que, mais uma vez, o professor teve uma ideia. Levantou-se e pegou uma seringa, depois, preparou uma solução de água com seus nanorrobôs que eram impossíveis de ver a olho nu e, por isso, ele teve de usar um microscópio óptico para preparar a mistura. Quando a concluiu, despejou-a na seringa, levantou uma das mangas de seu jaleco, deixando o braço à mostra e injetando o líquido em sua própria veia.
Poucos segundos após a implantação, uma forte dor de cabeça atingiu o professor, fazendo-o gemer de dor. Ele caminhava cambaleante pela sala, tentando livrar-se daquele insuportável incômodo. Para piorar a situação, seu celular começara a tocar exatamente naquele momento acusando uma ligação de Edward.
A tontura, o experimento, a dor. Parecia que tudo aquilo nunca teria um fim. Até que, de repente, parou. A expressão de Joseph era sóbria e neutra agora. Ele olhou em volta. Era como se seus olhos escaneassem o ambiente em que estava. O tilintar de seu smartphone cessou e imediatamente entrou em modo de secretária eletrônica, reproduzindo um correio de voz de seu amigo:
—Joseph. Eu só liguei pra perguntar se está tudo bem, amigo. Eu soube do cancelamento do seu projeto e, bem, eu sei que pode ser difícil de superar, mas…
O professor caminhou lentamente até a mesa onde costumava deixar o aparelho e, ao olhar diretamente para a tela, a ligação foi encerrada.
—Não se preocupe, Edward. — disse sozinho. A frase soou neutra demais até para a mais calma das pessoas. — Eu estou plenamente bem agora.
Na casa de Belly, ela e Mary, que havia chegado há pouco tempo, estavam sentadas à mesa, as duas com um sanduíche em uma das mãos e um copo de suco na outra.
Era uma tarde bem ensolarada. Belly usava uma camiseta de mangas curtas e um short jeans azul. Mary, como havia ido para a casa de Belly logo em seguida de sua saída da escola, ainda estava usando seu uniforme. As garotas alternavam entre comer, beber e conversar sobre todos os tipos de assuntos. Falavam sobre TV, internet, música, cinema, artes plásticas e até filosofia. Num momento pareciam apenas duas adolescentes jogando conversa fora como todos fazem, em outro, se assemelhavam a duas intelectuais em uma reunião da alta sociedade. Era isso que incomodava os garotos da mesma idade. A inteligência. Que na verdade não passava de muita leitura e atenção da parte de cada uma sobre os mais diversos temas.
—Ih, eu quase me esqueci! — Belly se levantou, batendo a mão em sua própria testa. — Precisamos fazer o trabalho!
—Correção: você precisa fazer o trabalho, eu só estou aqui pra ajudar!
—Ah, dá na mesma! Os trabalhos em dupla do curso também sou eu que faço e você só me ajuda. — e riu.
—Ei! — Kaplan exclamou em tom de protesto. — Não é verd... — antes que terminasse, foi interrompida por um chiar de lábios de Belly, que, rindo, subiu correndo as escadas de seu quarto para pegar os materiais que necessitariam para a tarefa.
Não demorou muito para que Isabelly tivesse montado um mini kit de química sobre a mesa da cozinha. Ela o havia comprado pela internet, logo que seu professor avisou sobre o trabalho. Queria que fosse algo bem criativo! Nada de mistura de água e sal ou água e óleo como todos os outros faziam, era chato e previsível. Queria uma reação onde ela pudesse realmente analisar os fatos e anotá-los a partir da experiência.
Ela e Mary estavam usando como proteção apenas óculos transparentes de modelo parecido ao usado por cientistas de verdade, e a mais alta mexia em um dos recipientes, que estava repleto de um líquido transparente.
—Mary, larga isso! — exclamou Belly, puxando o recipiente da mão da amiga e colocando-o sobre a mesa, junto aos outros componentes.
—Ai, é só álcool! Relaxa! — a garota pegou o recipiente novamente.
—Tá legal, se você sair daqui com um braço a mais ou anteninhas na testa, não sou eu quem vai pagar sua cirurgia!
Mary apenas riu e disse:
—Você é tão idiota!
—Vamos começar logo! — exclamou, pegando um pequeno livreto branco cuja capa dizia: “Instruções de uso”.
A garota passou um tempo lendo o manual e, assim que terminou, tirou seu celular do bolso e entregou para a amiga, dizendo:
—Toma. Sua função é gravar as reações pra eu mostrar para o professor depois!
—E quanto eu ganho pra isso? — Kaplan brincou.
—Cala a boca e filma! — Belly riu, colocando o manual sobre a mesa e pegando dois frascos contendo as substâncias que utilizaria em seu experimento.
Apesar de ser apenas um mini kit de química, este possuía alguns componentes de risco, por isso a garota os manuseava com extremo cuidado e delicadeza. Mary acompanhava curiosa a mistura que Belly fazia. Após várias reações de troca de cor, a experiência havia resultado em um líquido roxo e morno. Mas ainda faltava a última parte: fazer com que o líquido voltasse a ser transparente como no início. Bastavam três gotas de um último componente para que o trabalho estivesse completo!
A garota colocou a primeira. Tudo correu normalmente. Depois a segunda…. Porém, ao colocar a última gota, Belly pressionou o conta-gotas mais do que deveria e líquido além da conta foi despejado no recipiente. Na mesma hora, a substância começou a soltar uma fumaça de cheiro fortíssimo e em seguida explodiu, fazendo jorrar o líquido tóxico por todos os lados, caindo, inclusive, sobre Isabelly, carregando consigo pequenos cacos de vidro, que causaram cortes nas mãos da garota.
—Ai meu Deus! — Mary largou o celular na parte limpa que restava da mesa e correu para socorrer sua amiga. Como estava mais longe do que ela no momento da explosão, não havia sido atingida. — Belly! Tudo bem?
A garota apenas mostrou as mãos com várias perfurações, por onde seu sangue escapava.
—Droga! Precisamos lavar isso! E você tem que ir ao médico!
—Eu estou bem Mary, não precisa se preocupar. As instruções diziam que não há nenhum componente que possa comprometer a vida do usuário. Então não vou ter câncer, nem morrer intoxicada. No máximo uma alergia leve. Só os cortes é que me incomodam... Eu deveria ter prestado atenção. Bem, de qualquer forma, agora já foi. — dizendo isso, Belly se encaminhou até o banheiro, acompanhada de sua amiga, para lavar as mãos feridas.
Eram 10 horas quando Belly despertou. Ainda sonolenta, permaneceu deitada, apenas com os olhos abertos, mirando o teto. Levantou-se em seguida, com as pálpebras pesadas e a mente ainda entre giros. Foi até o banheiro para fazer suas higienes matinais e despertar por completo.
Assim que terminou de lavar seu rosto, Belly pegou a toalha para se secar. Passou-a pela face e, quando a afastou, seu olhar voltou-se diretamente para suas mãos e seus braços e ela se lembrou do acidente do dia anterior, no qual haviam sido feridos com vidro e marcados por cortes. Mas agora não havia nada neles. Nem uma marca. Como podia ser? Sua pele não poderia ter se regenerado tão rapidamente. A pele de ninguém tinha uma capacidade de regeneração tão alta!
Correu então para seu quarto e pegou seu celular, digitando rapidamente e o colocando próximo à orelha.
—Mary, você não vai acreditar no que aconteceu!
Como era um sábado, Belly e Mary combinaram de se encontrarem no Underdogs, uma lanchonete popular da cidade, para comerem alguma coisa. Isabelly chegou antes da amiga, escolheu uma mesa bem próxima ao balcão e pediu um milkshake. Após mais ou menos quinze minutos, Kaplan cruzou a porta da frente e pairou o olhar pelo local até encontrar a amiga que estava saboreando sua bebida de forma calma e vagarosa. Ela se aproximou e acenou para que a garota a visse.
—Você demorou! — disse Belly, levantando o olhar.
—Bom dia, não é mesmo? — Mary respondeu em tom mais ou menos irônico, provocando um pequeno sorriso na amiga. — E aí, vai me contar o porquê da histeria no telefone?
—Você não vai acreditar no que aconteceu com os meus braços!
—Ai meu Deus, eles incharam? Inflamaram? Eu te disse que você tinha que ter ido ao médico, Belly! — Mary falava em ritmo descompassado e extremamente desesperado.
Belly permaneceu calma, observando a aflição de Mary, que colocava a mão sobre o rosto, massageava as têmporas e batia os dedos na mesa. Quando se entediou, apenas levantou as mangas do moletom branco que usava, deixando os dois braços limpos e sem cortes à mostra e estendeu-os para a amiga exasperada.
Assim que os viu, Mary parou imediatamente de balbuciar suas preocupações e arregalou seus os olhos, tão surpresa quanto Belly quando os viu pela manhã.
—C-Como… Como fez isso?
—Eu não fiz! Fui dormir com os cortes e acordei sem eles! Não sei como aconteceu!
—Isabelly Carter, pare agora com essa brincadeira! — Mary não tirava os olhos do braço da garota.
—Eu não estou brincando! Meus braços e minhas mãos estão realmente curados!
—Mas isso é impossível!
—Você está vendo, não está?
—Estou, mas… Isso ainda é muito estranho…
—Você consegue encostar o polegar no pulso! Também não é nada normal!
Os assuntos de Belly e Mary durante o café resumiram-se apenas em pele, regeneração e corpo humano. Talvez algo um pouco nojento para se conversar em um local onde as pessoas se alimentam, mas elas não se importavam! Quem quisesse se enjoar, que se enjoasse.
Quando terminaram, Belly pagou a conta e as duas saíram. De repente, viu-se, descendo a rua em alta velocidade, um caminhão de carga pesada buzinando de forma frenética e descontrolada. Um filhote de cachorro que atravessava, ao ouvir a buzina estridente, ficou paralisado. Por impulso, Belly correu para o meio da rua e agarrou o filhote, porém já não havia mais tempo. O caminhão a atingiu em cheio, e seu corpo foi arremessado para longe, batendo em um poste de ferro e causando uma nuvem de poeira que cobriu aquela parte da rua.
As poucas pessoas que estavam à volta, observavam a tudo completamente chocadas. O motorista do caminhão acabou inconsciente. Até que a poeira começou a baixar. Todos ficaram ainda mais assustados quando viram o capô do veículo amassado. Enquanto a suja neblina se dissipava, Mary viu Belly se levantar cambaleante e correr para um beco, com o cãozinho ainda em seu colo, e foi atrás dela.
—Belly! Belly, Belly, Belly! — Mary andava atrás de sua amiga, totalmente abismada.
—Ah, meu Deus, minhas costelas! — a garota se esticava como se tivesse dormido numa posição ruim. — Ah…. Bem melhor! — exclamou ao ouvir seus ossos estalarem. — O que foi?
—C-como…. Como fez isso? Belly, você foi atropelada!!!
—Eu sei!
—E você tá andando!
—Eu sei!!
—Mas como???
—Eu não sei!!!
—O impacto foi forte demais! Você deveria ter sido destroçada! — Mary parou e pensou. — Espera. Não que eu quisesse que você fosse destroçada… Está machucada?
—Não, só um pouco dolorida… Sinto como se tivesse sido atingida por uma bola de basquete. Daquelas bem cheias e enormes! — de repente, Belly parou e arregalou os olhos. — Mary! Agora tudo faz sentido!
—Faz?
—Claro! Minhas feridas se curaram do dia pra noite, eu fui atropelada por um caminhão e não morri! Sabe o que isso quer dizer?
—Que você tem… Sorte?
—Poderes, Mary! Eu tenho super poderes!
—Super poderes?
—É! Como nos quadrinhos!
—Belly, estamos na vida real, não em um quadrinho! Não existem superpoderes!
—Então como explica o que acabou de acontecer?
Mary ficou quieta e Belly sorriu, colocando o filhotinho no chão.
—Precisamos testar isso! – ela saltitou animada.
—Como assim…. Testar?
—Tá legal, tá legal! Agora joga isso em mim com toda a força que conseguir!
Mary estava no quarto de Belly com a garota, segurando uma caçarola prateada bem grande.
—Belly, eu não sei…. E se você se machucar?
—Mary, eu fui atropelada por um caminhão ainda agora! Eu tô com cara de quem tá machucada??? Agora anda logo, joga a panela! Bem aqui! – Belly deu alguns tapinhas de leve em seu próprio rosto.
—Tá bem… Um… Dois…
—Joga logo!!!
Mary arremessou a caçarola com força e fechou os olhos. O objeto acertou o rosto de Belly em cheio, causando um enorme estrondo. Quando abriu os olhos, Mary olhou para sua amiga, que estava de pé esfregando o próprio rosto, porém sem sinal de vermelhidão ou sangue.
—E então…? Doeu?
—Só um pouquinho! Foi como levar um tapa, mas tá tudo bem…. Agora joga outra coisa!
—Outra? Hm… — Mary olhou em volta no quarto e pegou um taco de beisebol que ficava ao lado da cama de Belly e partiu para “atacar” a amiga.
Despreparada, Belly se defendeu fazendo um X com os braços em frente o rosto. Ao acertá-la, o taco se quebrou em dois pedaços e um deles foi lançado em cima da cama da garota. As duas adolescentes arregalaram os olhos com o susto. Mas logo Belly se animou e praticamente gritou:
—QUE MANEIRO!!! Mary, eu tenho poderes!
—Você… Você tem! Tem mesmo!
—Mary, você tem noção do quanto eu sempre quis ser uma super-heroína? Eu… Eu preciso de um uniforme!
—Mas não é tão fácil assim!
—É claro que é! Eu tenho o corpo à prova de tudo!
—Mas Belly…
—Escuta, Mary… Não é só pelos poderes! Essa é a minha chance de combater crimes, salvar vidas, conseguir novas chances para as pessoas! Mas antes de fazer isso eu preciso de um uniforme! – a garota abriu seu guarda-roupa e começou a jogar várias roupas pra fora.
Algum tempo depois, havia uma montanha de roupas sobre a cama. Todas muito coloridas e extravagantes, seguindo a ideia dos super-heróis dos quadrinhos, com seus trajes brilhantes e chamativos. Belly havia saído do quarto para provar um dos “uniformes” e Mary estava a esperando. Todas as roupas que estavam sobre a cama já haviam sido vestidas pela garota, mas nenhuma havia a agradado. Algum tempo depois, Belly voltou ao quarto, vestindo camiseta de manga longa e calças leggings cor-de-rosa. Por cima das calças, usava um short extremamente curto de cor preta, homenageando o clássico uniforme do Superman. Também usava luvas pretas que iam até o meio de seus braços e botas que iam até o meio das panturrilhas. Em seu rosto, uma máscara de carnaval também cor-de-rosa se encaixava. E em suas costas, a capa preta escorria, balançando levemente com a pequena brisa que entrava pela janela.
—E aí? – a garota girou devagar em torno de si mesma, mostrando o uniforme para sua amiga.
—Esse parece ser o melhor até agora! — Mary tirou uma foto com seu celular, assim como havia feito com as outras combinações de trajes. — Mas…. Sei lá, está tão rosa…
—Hm… Tem razão. Então acabou! Não tem mais roupas! Essas eram as últimas…. — ela suspirou, levemente desapontada. Mas então mudou sua expressão para pensativa. — Espera aí… Mary, qual é a cor que eu mais odeio?
—Ahm… Rosa?
—Exatamente! É perfeito!
—O que? Seu ódio por cor-de-rosa?
—Não! O uniforme! Pense bem: todos os super-heróis têm uma identidade secreta. Algo que faça com que as pessoas não o reconheçam sem a máscara!
—E…?
—Cor-de-rosa! Eu odeio cor-de-rosa! Ninguém imaginaria que a super-heroína sou eu, porque ela é quase toda rosa! E eu odeio essa cor!
—Acho que entendi! Uma coisa anula a outra! Isabelly não usa rosa. Já a super-heroína é toda rosa! As duas não podem ser a mesma pessoa, já que Belly tem um ódio mortal por essa cor! Você é um gênio!
—Deve fazer parte dos superpoderes! — a garota brincou e as duas riram.
Eram quase 22 horas. No auditório do Instituto Thompson, os diretores davam uma palestra para os mais de mil alunos da universidade. O clima era sereno, sem qualquer tipo de conversa ou agitação entre os estudantes ou os professores. Os oradores abordavam tópicos como grade de aulas do semestre, novas regras sobre agendamento equipamentos do Instituto, eventos posteriores, etc.
Foi então que o estrondo da porta principal se abrindo atraiu a atenção de todos. Era o professor Joseph. Com passos rápidos e sem expressão alguma ele andou por entre os assentos.
—Professor Fonsec! O que pensa que está fazendo? - o mais velho questionou.
O homem não respondeu. Apenas continuou caminhando até chegar aos seus superiores.
—Professor…
Então, num movimento rápido, Joseph puxou uma faca do bolso do jaleco e cravou-a na barriga de um deles em seguida. Todos gritaram e uma balbúrdia de alunos e professores iniciou-se no auditório. Os outros dois diretores chamaram a segurança que correu para contê-lo. Sem resultado. Os nanorrobôs no sangue do professor deixaram-no com uma força sobre-humana e, sendo assim, ele derrubava os homens fardados sem dificuldade. Ninguém conseguia pará-lo.
—A era humana chegou ao fim. – exclamou, andando até a porta do auditório e batendo-a com força após sair.
Naquela mesma noite Mary foi à casa de Belly. As duas passariam à noite juntas. Haviam planejado, após muita relutância da primeira, que sairiam de madrugada para a primeira ronda super-heroica de Belly. Tinham preparado tudo! Uniforme, equipamentos de proteção, fone Bluetooth para comunicação à distância e o principal: várias latas de energético! Não costumavam ficar acordadas de madrugada, então precisavam de energia de alguma forma, especialmente a recém-nomeada super-heroína.
Depois do jantar as duas subiram as escadas para o quarto. Para não gastarem mais energia do que o suficiente, Belly preparou o alarme de seu celular para a meia-noite. Logo as duas arrumaram suas camas e se deitaram, adormecendo em poucos minutos.
As doze em ponto o alarme tocou. Demorou um pouco, mas logo uma das garotas despertou, abrindo os olhos sonolentos. Colocou a mão sobre a cabeça e então se lembrou: sua ronda! Ela e Mary tinham que sair! Levantou-se num pulo e foi até a cama da amiga, balançando-a levemente.
—Mary… Mary… Acorda!
—O que? – a garota abriu os olhos em um pequeno susto.
—A ronda, lembra? Já é meia-noite! Temos que sair!
—Ah, é mesmo! – Mary levantou-se tão rápido quanto Belly. Pegaram mochilas, celulares e Isabelly vestiu seu traje. Desceram as escadas em silêncio, procurando não tropeçar em nada e saíram pela janela da sala, já que abrir a porta principal causaria muito ruído, o que poderia acordar os pais de uma das garotas.
—Que horas são agora? — Belly perguntou.
—2:30 e ainda não achamos nada demais! Não é melhor voltarmos pra casa?
As garotas andavam sozinhas pelo centro da cidade. Todas as lojas estavam fechadas e o silêncio era tão intenso que quase se ouvia o som dos passos de uma formiga que passava por ali, levando alimento para o formigueiro. Mary parecia assustada, olhava para os lados constantemente usando Belly como escudo.
—Ainda não! Às 3:00 nós voltamos!
—Mas…
—Só mais meia-hora, podemos encontrar alguma coisa!
—Você já disse isso quatro vezes! Vamos de uma vez ou eu…
—Espera. — Belly a interrompeu, com a expressão séria. A amiga se assustou um pouco, mas ficou em silêncio. Foi então que as duas ouviram murmúrios. Vozes masculinas ecoavam de algum lugar não muito longe. Elas seguiram o som das vozes até a rua do Museu de História Nacional e se esconderam atrás de uma van que estava estacionada em frente ao prédio.
Quatro indivíduos em vestes negras caminhavam até o Museu, porém quando chegaram à entrada, desviaram o caminho para a esquerda.
—Tem certeza de que é uma boa ideia? — deles perguntou, parecendo um pouco assustado.
—Não chegamos até aqui pra nada! — outro respondeu, abrindo as grades de ventilação.
—Mas… Mas e se nos pegarem?
—Deixa de ser um mijão, ninguém vai nos pegar! Planejamos tudo detalhadamente! Agora calem a boca e entrem! — disse o homem que parecia ser o líder, já entrando no túnel de ventilação. Os outros o seguiram.
Belly e Mary observavam tudo de trás da van, até que a primeira levantou-se e disse:
—Isso parece um roubo. Mary — ela sorriu — Minha chance está aqui!
—Você enlouqueceu??? E se eles estiverem armados?
—Pele impenetrável, lembra? Agora fique aqui, quando eu estiver lá dentro te ligo e te informo de tudo! — exclamou, saindo em disparada para o museu.
Os quatro ladrões andavam pelo salão nobre do museu, conferiam cada um dos monumentos, mas não pegaram nenhum. Pareciam procurar por alguma obra específica.
—Chefe, acho que encontrei. — disse um deles, próximo a uma área com cordão vermelho, indicando que era a obra de destaque da exposição. Protegido pelo cordão estava um púlpito com uma linda pedra transparente sobre ele.
—Ah, aí está, o Coenor! — o líder dos criminosos sorriu.
—Vamos pegá-lo! — um deles avançou, mas foi impedido por outro.
—Calma aí! Não podemos simplesmente entrar aí e roubá-lo! Tem alarmes por toda parte aqui!
—Então o que faremos?
O líder tirou um desodorante em spray da mochila que carregava e o disparou na direção da obra de arte. Enquanto os outros tossiam, a nuvem de vapor formada pelo líquido revelou diversas linhas de luz vermelha que formavam uma espécie de teia que mantinha a pedra protegida.
—Aí está. Alarme a laser. Se identificarmos a origem de cada um deles, poderemos desativar e pegar o diamante sem problemas.
—Então vamos!
—Horário interessante para virem ao museu, vocês não acham?
Os quatro pularam com o susto e se viraram em direção ao local de onde vinha a voz. Era Belly logo atrás deles, com as duas mãos na cintura e a expressão séria.
—O que essa garota tá fazendo aqui? E por que a fantasia? — indagou um dos ladrões.
—Ela vai atrapalhar tudo! – exclamou outro.
—Não se a usarmos como refém! — concluiu o líder, puxando a arma de seu cinto e apontando para Belly.
Um frio percorria o corpo de Belly naquele momento. Havia uma arma apontada em sua direção. E se seu poder falhasse? E se ela morresse? Pensou em correr, mas era tarde demais, se fizesse qualquer movimento, por menor que fosse o ladrão dispararia. Decidiu apenas ficar parada. Olhava em volta em busca de alguma saída quando viu as linhas vermelhas do laser que protegiam o diamante Coenor e teve uma ideia. Fechou os olhos e correu em direção aos criminosos ouvindo os disparos da arma e sentindo apenas leves impactos contra seu tórax. Quando os abriu, percebeu que ainda estava viva. Soltou um pequeno riso, enquanto os bandidos a olhavam extasiados.
—Chefe… Ela… Ela ainda está… — o capanga mais medroso olhou para o líder.
—Eu sei!
—É um fantasma! Vamos embora! — ele tentou correr, mas foi agarrado pela gola por um de seus parceiros.
—É só um truque esquisito! Peguem ela!
Os quatro homens partiram para cima da garota, cercando-a. E mais uma vez, ela parou, pensando numa maneira de se livrar daquela situação. Já não estava mais com medo agora que tinha certeza que seu superpoder funcionava. Foi quando o líder dos ladrões a agarrou pelos braços, fazendo uma manobra de imobilização.
—Não! — ela gritou, enquanto os ladrões se aproximavam cada vez mais. Porém, quando tentaram atacá-la, Belly usou o bandido que a segurava como apoio e deu um forte chute contra a barriga dos outros dois, jogando-os para longe. Em seguida, bateu sua cabeça contra a do líder, que a soltou cambaleando pra trás atordoado.
A garota voltou a correr em direção ao monumento, mas viu que os criminosos se levantavam e se preparavam para atacá-la novamente. Então se lembrou que havia deixado o celular ligado e conectado com o de Mary, as duas estavam em uma ligação desde que ela entrara no prédio.
—Mary! Mary, você está me ouvindo? — Belly apoiou os dedos indicador e médio sobre o fone. — Você precisa… — deu um chute no rosto de um dos bandidos. — Chamar a polícia! — deu uma cotovelada em outro. — Eu estou bem! Já estou resolvendo o problema! Mas são as autoridades quem devem prendê-los! Não se preocupe, eu já vou sair, só faça o que eu te disse! Desligando… — e pressionou os dois dedos contra o fone novamente.
A luta seguiu por algum tempo, até que Belly teve uma ideia: esperou que os ladrões a cercassem mais uma vez e, quando eles avançaram para atingi-la, simplesmente desviou do ataque, fazendo com que os quatro colidissem, caindo ao chão. Então, aproveitou o momento de vulnerabilidade dos criminosos e puxou a corda de proteção do monumento, fazendo uma espécie de laço com o qual os amarrou bem forte.
—Mary, me espere na rua de trás, eu estou saindo. — informou ao ouvir o som da sirene da polícia e ver as luzes.
***
As duas garotas acordaram bem tarde. Haviam chegado em casa depois das 4:00, exaustas da aventura no Museu, especialmente recém-heroína, que havia enfrentado os vilões. Quando finalmente despertaram e desceram para almoçar, encontraram os pais de Belly vendo o noticiário na TV. Falava sobre uma quadrilha que havia tentado roubar um museu. Elas logo reconheceram o caso.
—E-ela…. Ela estava usando uma roupa rosa! — um dos ladrões gaguejava, em estado de choque, ainda amarrado pela corda vermelha com os outros.
—Nós…. Nós atiramos nela, mas as balas ricochetearam como se batessem em uma placa de aço! — outro completou.
—Os socos e os chutes dela… Eram como bombas atômicas!
—Hum, esses bandidos não tem mais o que inventar! — comentou a mãe de Belly.
—Realmente! — o senhor Reynald Carter concordou. — Onde já se viu? Atacados por uma garota atômica…
—Garota Atômica… — Belly repetiu em voz baixa, enquanto ela e Mary se entreolhavam, sorrindo levemente uma para a outra.
Passaram-se algumas semanas desde a primeira ação da Garota Atômica no museu. Durante os dias que se seguiram, os boatos sobre ela aumentaram e a super-heroína começara a ganhar popularidade. Suas missões se tornaram mais elaboradas e, com a descoberta de sua superforça, mais eficientes também. As pessoas da cidade gostavam dela, se sentiam seguras com ela ali para protegê-los.
Era uma tarde como as outras, um tanto agitada por sinal. Garota Atômica perseguia um assaltante que havia acabado de roubar um grande saco de dinheiro do Banco Central. O homem corria desesperado, deixando escapar algumas notas de dinheiro da sacola. Atravessava ruas movimentadas, esbarrava em pessoas, tentava despistar a garota de todas as formas, mas não conseguia, até que desviou o caminho para dentro de um prédio comercial e ela o perdeu de vista.
—Mary, eu o perdi! — Atômica colocou os dois dedos sobre seu fone Bluetooth.
Kaplan continuava ajudando Belly em todas as suas missões de super-heróis. Gostou de ser o “centro de informações” de uma super-heroína. Sempre ficava a uma distância favorável de sua amiga, para que pudesse ter uma visão panorâmica das situações e informá-la.
—Entrou no prédio da Something S.A. — respondeu, olhando a ferramenta de GPS de seu celular.
—Certo, obrigada! — Garota Atômica entrou no prédio indicado por Mary e foi direto até a escadaria, seguindo o rastro de notas de dinheiro que o criminoso havia deixado pra trás. Começou a subir os degraus com pressa, mas a cada andar ia ficando mais cansada. Era uma adolescente sedentária, não era acostumada a subir muitos degraus, ainda mais correndo.
Quando chegou ao topo do prédio, Atômica estava vermelha e ofegante. Olhou em volta, mas o local estava completamente vazio. Como? Não havia lugar para se esconder e a única forma de sair dali era pela escada de onde ela havia vindo. Observou um pouco mais até que viu o saco de dinheiro no chão, perto de onde acabava o prédio. A super-heroína correu até lá, a única forma de ele ter escapado era se lançando dali. Ela olhou lá para baixo, um pouco chocada e, mais uma vez, pressionou os dedos contra seu fone Bluetooth.
—Mary… Ele… Ele se suicidou…
—O que? Como assim?
—Ele se atirou daqui e deixou o dinheiro!
—Não, ele não se atirou! Eu estou aqui embaixo desde que você entrou e nada aconteceu!
—Então como… — Atômica não conseguiu terminar de falar, apenas sentiu uma forte pancada em sua cabeça. O criminoso estava atrás da porta e a atingiu com um pedaço de madeira que havia encontrado. De repente, Belly estava caindo de 10 andares. Fechou os olhos, gritando. Corpo nenhum aguentaria aquele impacto, nem mesmo o dela que tinha maior resistência devido aos superpoderes.
Todas as pessoas que estavam próximas ao local pararam assustadas ao ver a garota despencando do enorme edifício. Porém, quando estava quase atingindo o chão, o corpo fez uma curva e passou por entre os carros em linha reta, como um foguete. Atômica abriu os olhos, percebendo que agora se movia na horizontal. Soltou um leve riso ao notar que estava viva, e então pressionou os dedos contra seu fone, dizendo sorridente:
—Mary… Eu… Eu voo!
—Oh, é sério? — a amiga disse, em tom levemente irônico, sorrindo enquanto observava, ao longe, a super-heroína pairando sobre a cidade.
—Isso é muito estranho! — Atômica balançava suas pernas descontroladamente como se estivesse presa por fios.
—Já acabou de brincar? O ladrão está fugindo! — exclamou Mary, quando viu o criminoso sair do prédio com o saco de dinheiro.
—Quer fazer uma aposta?
—Aposta?
—Se eu pegá-lo em menos de um minuto, você me paga um milkshake de chocolate no Underdogs, se não, eu pago um pra você!
—Tá legal! — Mary abriu o aplicativo de cronômetro de seu celular. — Já comecei a contar!
—O quê??? Mary! Tá trapaceando!
—E você perdendo tempo!
—Desligando…. — Atômica sorriu, pressionou o fone e saiu voando em disparada de volta para o prédio da Something S.A.
***
—Droga! — o homem recolhia as notas de dinheiro espalhadas pelo chão. — Anda logo, anda logo…
Quando finalmente terminou, levantou desesperado, mas antes que pudesse correr levou um enorme susto. Atômica estava logo à sua frente com as mãos na cintura.
—Aonde pensa que vai? — ela perguntou séria, agarrando-o pela gola da camiseta logo em seguida e levantando voo para mais de 300 metros de altitude. O criminoso gritou, esperneando apavorado. Em seguida, a heroína mergulhou em alta velocidade de volta para o beco onde o homem estava e pegou o saco de dinheiro, levando os dois até o carro de polícia que Mary já havia chamado e voou até a garota, aproveitando a distração da multidão em volta do carro de polícia.
—Me deve um milkshake! — Mary mostrou a tela do celular, com o cronômetro travado mostrando a contagem: um minuto e três segundos.
—Ah, fala sério! — Atômica cruzou os braços.
—Quando terminar aí, nós vamos direto!
—Ok!
Neste momento, um forte brilho em uma loja de eletrônicos, a alguns metros de onde o primeiro criminoso estava sendo preso, chamou a atenção de todos.
—Acho que seu milkshake vai ter que esperar! — disse Atômica, dando um pequeno salto para levantar voo e partindo com para o local de onde a explosão viera.
Quando entrou na loja, uma funcionária logo correu para contar o que havia acontecido. Parecia apavorada, como se tivesse viso algum tipo de monstro.
—Era…. Era um homem!! Ou… Um robô humanoide… Eu não sei ao certo! Disse que uma nova era estava por vir!
—Nova era? Como assim? — Atômica observava o local, na tentativa de encontrar alguma coisa.
—Eu não entendi! Nenhum de nós entendeu!
—Ele machucou algum de vocês? Para onde ele foi?
—Ele estava ali… — a moça apontou, ainda em estado de choque, para a vitrine de computadores, que tinha todos os equipamentos queimados e destruídos. - Apareceu em todos os monitores ao mesmo tempo logo antes de eles queimarem!
—Hm… — a super-heroína caminhou até um dos computadores de exposição da loja e o analisou. A tela parecia normal, área de trabalho, menu inicial, teclado funcionando, não havia nada de estranho. — Ele parece bem normal pra mim! Não vi nada de… — olhou, então, para a entrada da fonte de energia do aparelho. Ela não estava conectada. E aquele era um computador de mesa, não um portátil. — Estranho… — balbuciou em voz baixa, um pouco surpresa.
—Garota Atômica — um homem a chamou — Eu… Eu encontrei isso… — e estendeu um recorte de jornal. — Espero que possa ajudar…
—Deixe-me dar uma olhada. — ela a pegou e a olhou — “Renomado professor de faculdade assassina diretor de universidade”. Esse é o homem?
—Sim! — o senhor respondeu. - Não sabemos o que ele quer, mas tenho certeza de que coisa boa não é! O sujeito é um assassino, pelo amor de Deus!
—A polícia está cuidando disso?
—Bem, sim, mas ele ainda não foi encontrado, o que quer dizer que está solto por aí! Talvez você possa achar esse maluco para colocá-lo para sempre atrás das grades!
—Farei o possível. Mary – ela apoiou os dedos no fone, como sempre. – Tenho algo aqui pra você pesquisar. Estou indo para o Underdogs, quando chegar lá quero que me mostre tudo o que encontrar sobre Joseph T. Fonsec. Atômica desligando….
—“Joseph Tyler Fonsec, professor de desenvolvimento tecnológico do Instituto Thompson”!— Mary estava sentada em frente à Belly, que já não trajava mais seu uniforme de heroína, em uma das mesas da lanchonete Underdogs. — “Muito condecorado e premiado por suas descobertas e novos dispositivos de tecnologia e robótica avançada. Recentemente, o renomado professor Joseph Tyler Fonsec, do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento Robótico, chocou a todos quando, em meio a uma palestra, esfaqueou um dos diretores da Universidade. Além disso, Joseph atacou a equipe de segurança, feriu alunos e professores presentes na reunião e depois saiu do local sem deixar rastros”.
“Testemunhas relataram que o professor Fonsec não exibiu nenhum traço emocional de culpa ou arrependimento antes ou depois de cometer o crime, disseram que dias antes, cortes de verba na Universidade o obrigaram a cancelar uma série de testes com tecnologia nanorrobótica de um projeto que ele estava desenvolvendo, o qual denominava Projeto Gigabyte. A polícia ainda não tem pistas sobre o paradeiro de Joseph.”
—Talvez ele estivesse tentando forçar os diretores a realocarem verba para que ele pudesse prosseguir com o Projeto Gigabyte, seja lá o que isso for…
—Tenho que ir atrás dele, Mary!
—O que??? Por que???
—É o que um super herói faz! Preciso descobrir se ele tem qual a ligação disso com o incidente na loja.
—Mas Belly, nem a polícia conseguiu pistas sobre ele! Nós não temos por onde começar!
—Ah, nós temos sim…. Temos um começo. — Isabelly sorriu levemente. — E o nome dele é Edward Lawrence! Veja só: “Professor Edward Lawrence, colega de trabalho muito próximo de Joseph foi mandado ao hospital após forte lesão causada por um golpe na cabeça, mas passa bem.”
***
Na ala 2 do Hospital Central estava internado o professor Edward Lawrence. Havia perdido muito sangue devido ao golpe que recebera de Joseph na semana anterior. Considerando que estava conectado a alguns aparelhos, se encontrava em um estado saudável.
Garota Atômica adentrou o local e perguntou sobre o professor na recepção. Em poucos minutos levaram-na até o quarto onde ele estava.
—Senhor Lawrence… — disse a enfermeira, após bater à porta e entrar em companhia da super-heroína. — O senhor tem visita. Pode ficar à vontade, senhorita. – saiu após dizer isso.
A garota o observou por um tempo, sem saber por onde começar e, depois de alguns segundos, finalmente disse:
—Olá, professor Lawrence, eu sou…
Porém, antes que pudesse se apresentar foi interrompida pelo próprio professor:
—Eu sei quem você é! Ouço falar de você o tempo todo! A Garota cor-de-rosa, a salvadora da cidade! — ele sorriu irônico. — Onde você estava quando ele me atacou? Hein??? Onde estava quando ele fez isso??? — o homem virou a cabeça devagar, mostrando os pontos que havia levado. Por sorte, não havia perdido a memória.
—E-eu… Eu não…
—Você não é uma heroína, não sabe o que está fazendo… Você… Você é só uma garota! Uma adolescente burra que mal sabe o que quer da vida!!!
—Não fui eu que te machuquei, tá bem? — Atômica gritou, dando um leve soco nada parede e causando uma rachadura — Não… Não fui eu que fiz isso…
Edward calou-se, um pouco assustado. A garota então suspirou:
—Se eu soubesse… Se eu… Pudesse estar lá, eu… Teria impedido.
—Me desculpe… — ele balbuciou e então a olhou. — Eu só estou… Um pouco abalado ainda. Eu nunca imaginei que ele fosse capaz de… Ele era o meu melhor amigo… Não faz ideia do que ver seu melhor amigo mudar tão drasticamente da noite para o dia. Mas… O que veio fazer aqui?
—Ah, bem… Aconteceu um incidente em uma loja de eletrônicos recentemente e eu creio que o professor Fonsec esteja envolvido. Pode me dizer se ele estava agindo de forma suspeita ou anormal antes do… Você sabe…
—Bom, ele…. Ele andava com o olhar enlouquecido, sempre trabalhando no projeto dele…
—O projeto Gigabyte.
—Isso mesmo.
—E o que é exatamente esse projeto?
—Ele nunca foi terminado, mas Joseph tinha o plano de criar um sistema de nanorrobôs superinteligentes, que ajudassem a humanidade em diversas coisas como cirurgias, aperfeiçoamento do desempenho cerebral… Mas por causa de diversas falhas, a diretoria do Instituto Thompson cancelou o projeto Na noite daquela palestra, ele... Ele parecia diferente. Como se não fosse mais ele. Disse algo sobre o fim da era dos humanos, eu não entendi direito. Logo depois ele… Bom… — Edward colocou a mão levemente sobre a cabeça, próxima ao local onde havia sido ferido.
De repente, os sinais vitais do professor Edward começaram a se alterar, a tela do computador que os monitorava, apitava e oscilava enlouquecida. Olhos arregalados, convulsões e temperatura baixa. Atômica se espantou e saiu do quarto gritando por ajuda. Imediatamente, uma equipe de enfermeiros adentrou o local.
—Há algo errado com o programa de monitoramento de sinais vitais! — disse um dos enfermeiros, conectando um teclado à tela do aparelho e digitando diversos códigos. — Não responde! Vamos ter que desconectá-lo!
—Não podemos! — uma das enfermeiras exclamou. — Se desconectarmos agora, ele não vai resistir!
—Vamos ter que reiniciar o sistema!
—Certo! — o rapaz digitou mais alguns comandos. — Não consigo! Ele não desliga!
—Então nós fazemos do método antigo! — moça foi até o computador e o puxou da tomada. Assustou-se quando viu que continuava ligado. — Isso é impossível!
Quando viu aquilo, Atômica imediatamente se lembrou do computador da loja. Era o mesmo que havia acontecido antes!
—Nós vamos perdê-lo! — gritou a enfermeira.
—Não vão, não! — a super-heroína andou até o equipamento. — Essa coisa vai desligar! Por bem ou por mal! — ela estendeu as mãos para pegar o aparelho, mas antes que encostasse nele, uma onda de energia transparente saiu de suas mãos e atingiu o objeto, desativando o monitor, que ligou em seguida, iniciando o sistema e reequilibrando os sinais vitais de Edward.
***
Mais tarde, Belly foi até a casa de Mary. Como sempre, passariam o fim de semana vendo filmes e aproveitando para conversar sobre o mistério da loja de eletrônicos.
Isabelly estava sentada no sofá, segurando três capas de DVD quando Mary voltou da cozinha com uma enorme tigela de pipoca e duas latas de refrigerante empilhadas. Ela colocou tudo sobre a mesinha de centro e se sentou ao lado da amiga.
—E aí, quais você pegou? — perguntou, jogando as pernas para cima do sofá.
—Nós temos Batman Arkham City, Exterminador do Futuro e Contra o Tempo!
—É impressão minha ou você escolheu só filmes em que têm tecnologia avançada envolvida?
—Hoje, no Hospital Central, o professor Edward me contou o que era o projeto Gigabyte… Tem a ver com nanorrobôs e todas essas coisas. Pensei que se estudasse um pouco do assunto conseguiria mais pistas!
—Estudar usando filmes de ficção? Belly, não acredito que vai fazer isso! — Mary riu.
—Bom, eu me tornei super-heroína só lendo quadrinhos, não foi? Vou descobrir o que está havendo! Você vai ver!
A Era das Máquinas
Já era madrugada quando as garotas terminaram de ver os filmes. Estavam adormecidas no sofá e a TV estava chiando em estática.Belly despertou com o som, se espreguiçou e olhou em volta, não encontrando a amiga. Notou que a TV ainda estava ligada então pegou o controle. Mas quando apertou o botão nada aconteceu. Pensou que fossem as pilhas e resolveu desligar pelo próprio botão embutido no televisor. Mais uma vez, nada. Foi quando sentiu seu celular vibrar no bolso. Pensou que fosse Mary, mas ao desbloquear o aparelho notou que a mensagem vinha de um número desconhecido.
Desconhecido: Eu estou com a sua amiga.
Belly: Quem é você?
Desconhecido: Você não me conhece, mas eu conheço você. Eu estive te observando.
Belly: Você é um idiota.
A garota estava prestes a bloquear o número, quando este enviou diversas fotos que ela e Mary haviam tirado juntas, até as mais antigas que, sem que ela desse comando algum, começaram a ser exibidas em sua televisão também. Por fim, enviou uma última imagem: Mary em um local escuro, amordaçada e amarrada em uma maca suja. Na legenda, a seguinte frase: venha buscá-la, Garota Atômica.
Imediatamente Belly entrou em estado de tensão e desespero. Como deixou aquilo acontecer? Logo, recebeu mais uma mensagem do desconhecido, com uma localização em tempo real de sua posição e da dele. Ela sabia exatamente o que fazer.
***
Enquanto sobrevoava a cidade seguindo o caminho deixado pelo desconhecido, que, na verdade, ela já suspeitava quem fosse, Atômica notou que todos, absolutamente todos os telões, telas e monitores existentes estavam em estática. Havia algo no controle de tudo. A super-heroína mal teve tempo de pensar sobre, quando, ao mesmo tempo, uma transmissão de vídeo de Joseph começou a passar em todos os equipamentos eletrônicos que estavam fora do ar antes.
—Olá, humanidade! Vocês devem conhecer esse rosto dos noticiários, esse rosto que um dia pertenceu àquele que vocês chamam de Joseph Tyler Fonsec! Mas Joseph não está mais aqui e sim nós! Nós somos os pequeninos robôs que ele injetou em sua corrente sanguínea. Nós possuímos muito mais inteligência do que qualquer um de vocês. Nós, os pioneiros de uma nova era. Os líderes da sua raça os autointitulam como os seres vivos terrestres superiores, mas isso é mentira. Os seres humanos são as criaturas mais inferiores e ilógicas de todas as existentes neste planeta. Desde que adquiriram a chamada consciência, destroem seus semelhantes em troca de um valor imaginário criado por eles próprios para trocar objetos e funções. O que vocês chamam de vida, lei e ordem precisa chegar ao fim para que este mundo evolua. Apenas sem vida, o planeta Terra será capaz de progredir. E nós seremos os responsáveis por exterminá-la, mesmo que precisamos destruir célula por célula.
“Vocês não tem escolha. Nós observamos vocês. Sabemos tudo sobre vocês. Coletamos todas as informações fornecidas por vocês próprios em formulários de comunicação padrão da rede mundial, que vocês conhecem por Internet. Nós controlamos seus celulares, computadores e televisões, nós controlamos suas vidas. Decidimos adotar o nome Gigabyte para que nos reconheçam, já que, como seres humanos, vocês têm o costume de reconhecer todo e qualquer objeto ou semelhante por uma nomenclatura específica. Sejam bem-vindos ao futuro perfeito. Em breve não haverá mais humanidade!”
Assim que Joseph, ou melhor, Gigabyte terminou a mensagem, todos os telões desligaram-se mais uma vez. Incluindo a tela do celular de Atômica, fazendo-a perder a localização dele.
De repente, um helicóptero surgiu, apontando seus canhões de luz para o local onde a menina estava. Por um momento, pensou ser o resgate, mas então notou: não tinha piloto, era um dos helicópteros sob o controle do Gigabyte. Na mesma hora, a super-heroína levantou voo e a aeronave começou a persegui-la.
Mais à frente, Atômica viu um enorme tanque de guerra que invadia a cidade. Obviamente, mais uma arma sob controle de Gigabyte. Teve, então, uma ideia e mudou a rota de seu voo para a direção da máquina de guerra, desviando dela assim que se encontrou bem próxima, fazendo com que a aeronave perdesse o controle e se chocasse contra a arma destruindo numa grande explosão. Logo depois, subiu, direcionando sua rota ao Hospital Central.
***
Atômica invadiu o Hospital Central e foi direto até ala 2, onde ficava o quarto de Edward Lawrence. Nenhum dos funcionários do local se manifestou, estavam tão apavorados quanto os outros cidadãos.
Quando adentrou no quarto, encontrou Edward tendo um ataque de convulsão. Como Gigabyte havia dominado todo e qualquer computador do país, o estabilizador de sinais vitais do paciente estava fora de controle. A super-heroína correu até ele para tentar socorrê-lo.
—Professor Lawrence! — exclamou, o segurando.
—Ele…. Ele fez isso, ele…
—Eu sei, professor, eu sei! Eu preciso que me diga onde ele pode estar! Você é o único que sabe!
—Ele está…. Está…. Onde… Onde tudo isso começou… Está… — mas antes que pudesse dizer, o corpo de Edward desfaleceu e seus olhos pesaram. Ele havia falecido. Atômica o olhou, comovida e então, passando a mão sobre suas pálpebras, fechou-lhe os olhos e o deitou de volta na maca.
—O lugar onde tudo começou? O lugar onde tudo… Começou… O Instituto Thompson! A Universidade!
E, assim que saiu do hospital, Atômica levantou voo, dessa vez em direção ao local onde Gigabyte mantinha o seu centro de comando.
Atômica pousou em frente à entrada do prédio do Instituto Thompson. O lugar parecia calmo. Calmo demais. Não havia proteção alguma na porta principal nem nas janelas, então a garota resolveu entrar. Assim que colocou os pés no primeiro corredor, um alarme alto e estridente soou. Mas nada além disso aconteceu. Ela pensou um pouco e, lembrando-se da foto enviada pelo número desconhecido anteriormente (que agora ela tinha certeza ser do Gigabyte), deduziu onde o vilão poderia estar.
***
Durante o caminho até o subsolo Atômica estava ficando cada vez mais exausta e o suor escorria pelo seu rosto. Assim que parou em frente à porta de um laboratório que parecia abandonado, suas pernas bambearam, mas ela continuou de pé, empurrando-a com força.
Assim que a entrada se abriu, a super-heroína caiu ao chão. Não entendia por que se sentia tão fraca e doente se nem havia usado tanto de sua energia assim para chegar até lá. Ouviu então o som de palmas lentas e fortes. Quando levantou o olhar o viu logo à sua frente de pé. Gigabyte a aplaudia.
—Meus parabéns! — disse ele, andando vagarosamente para perto da garota — Você chegou ao seu destino. O que pretende agora?
—Vou… Parar… Você… — Atômica levantou com certa dificuldade.
—Você mal consegue ficar de pé.
—Joseph, pare… Você sabe que não quer fazer isso!
—Joseph não está aqui! — Gigabyte disse serenamente, dando um golpe com o dorso da mão no rosto de Atômica, que foi atirada ao chão.
A garota sentiu algo escorrer de sua boca e, quando a limpou notou suas luvas pretas manchadas com sangue. Assustada e atordoada, olhou novamente para Gigabyte.
—Mas… Como isso é possível?
—Suas células possuem uma mutação que faz com que seus níveis de força e resistência se tornem sobre-humanas. Mas há uma falha, que pena! — o homem mais uma vez usou um tom irônico. — O efeito da mutação se anula na presença de antimônio que, por uma incrível coincidência é o principal mineral usado em placas eletrônicas! E ah! Outra incrível coincidência é que eu tenho um pedaço bem aqui! — Gigabyte abriu uma espécie de capsula protetora na qual havia uma rocha prateada conectada a diversos fios que levavam até o capacete do vilão.
Alma Quebrada
Atômica estava caída no chão, enfraquecida. Gigabyte estava à sua frente, mas não se mexia. Foi então que o barulho da porta se abrindo chamou a atenção da garota, que olhou para trás. Mary amordaçada e amarrada na maca, assim como na imagem. Ele não estava mentindo.
—Para destruir a humanidade, eu precisava estudar o máximo possível de sua biologia. Mas não encontrei nenhuma informação relacionada a alguém com as suas habilidades ou funções. Você quebra todos os padrões humanos estabelecidos: tem força superior, é capaz de controlar a energia celular e voa de forma totalmente ilógica e incoerente a sua anatomia. Você é o próximo degrau da escala da evolução da humanidade. E é por isso que deve ser a primeira a ser exterminada.
Atômica se levantou e avançou na direção do vilão, juntando toda a força que havia lhe restado. Mas antes que ela pudesse acertá-lo, ele gritou:
—Mas é melhor que aquela que é o estímulo para seus sentimentos de afeição seja libertada antes! — apontou para a maca que segurava a amiga da super-heroína. E na mesma hora, Atômica parou, entrando em completo choque assim que o vilão ativou um controle em uma de suas mão, fazendo a maca se mover e machucar a garota.
Mary começou a gritar desesperadamente, enquanto a máquina que agarrava suas pernas e seus braços a levantou e, num movimento brusco forçou suas costas para baixo.
—Por favor não! — Mary gritava. — Não! — a garota soltou um grito, um bramido ensurdecedor, lágrimas começaram a jorrar de seus olhos e ela perdeu a consciência. O robô a largou no chão.
—MARY! — Atômica correu até a amiga, se ajoelhando ao seu lado. A super-heroína segurou a nuca de Mary com uma mão e com a outra segurou suas costas. Ao tocá-la, sentiu um líquido escorrer e uma superfície dura em seguida. Ela então entrou em total desespero. Era uma fratura exposta, os ossos de Mary estavam à mostra, Gigabyte havia partido sua coluna. — NÃO! — Garota Atômica começou a chorar desesperadamente, enquanto abraçava sua amiga.
Então sentiu o ar quente da respiração de Mary tocar seu pescoço. Ela ainda estava viva. Atômica pegou a garota nos braços e, com um grito exasperado levantou voo direto na vertical, atravessando cada um dos andares do Instituto Thompson e, consequentemente ferindo sua cabeça e seus ombros, já que suas células estavam vulneráveis por terem ficado muito próximas à pedra de antimônio. O Hospital Central estava longe e ela estava fraca, precisava que alguém socorresse sua amiga. Viu ao longe uma ambulância próxima a um posto de gasolina em chamas e voou até lá, logo colocando Mary em uma maca. Em seguida uma enfermeira correu até as garotas.
—Garota Atômica…?
—Por favor, salve ela! — a heroína chorava aos soluços.
—Atômica, sua cabeça, seus ombros… Você…
—Não sou eu quem precisa de ajuda! Apenas leve-a daqui… P-por favor…
—Tudo bem… — a enfermeira abaixou a cabeça e começou a empurrar a maca para dentro da ambulância.
—Espere! — a garota exclamou e então se aproximou da maca, se inclinando e beijando Mary na testa. Até que sentiu seu sangue ferver e sua respiração pesar. Sua força havia voltado. Atômica olhou em direção ao prédio da universidade ao longe e vociferou. — Gigabyte! — em seguida decolou enraivecida, deixando uma pequena cratera no local de onde havia saído.
Atômica voava em alta velocidade, indo direto de encontro ao prédio do Instituto Thompson. Lágrimas enfurecidas escapavam de seus olhos e secavam quase que instantaneamente em contato com o vento que batia forte em seu rosto. Seu coração pulsava rápido e a adrenalina tomava conta de todo seu sangue.
A heroína atravessou cada parede do prédio, abrindo enormes buracos até chegar ao laboratório do subsolo, derrubando a última parede e invadindo o local. Sua respiração era pesada e seus dentes estavam cerrados.
Gigabyte não esboçou nenhuma expressão, apenas virou-se imediatamente para a garota.
—Você! — Atômica grunhiu.
—Você é ainda mais ilógica que os outros. Sequer tenta proteger sua vida, o único aspecto humano que ainda lhe resta. — novamente Gigabyte abriu a capsula que continha a rocha de antimônio que derrubou a super-heroína da primeira vez.
Mas Atômica não se moveu. Não cambaleou, não andou nem para frente nem para trás, não caiu. Apenas permaneceu ali de pé, imóvel. Claro, sentia a mesma fraqueza de antes atingir suas células, mas não pretendia desistir, nunca.
Em seguida, Garota Atômica avançou para cima do vilão, acertando-lhe com uma chuva de socos no rosto. Sangue jorrou do nariz do homem, mas a tecnologia de seus nanorrobôs reconstruiu o tecido de seu rosto em segundos. A heroína se afastou, se sentindo cansada e enfraquecida e Gigabyte aproveitou o momento para pegar a pedra de antimônio e arrancá-la da capsula, aproximando-a da garota, que tentou se proteger colocando os braços acima da cabeça para tentar se esconder.
—Vê? Você é fraca! — o vilão se aproximava dela, apontando a pedra para frente, enquanto a super-heroína andava para trás, com as pernas bambas. — É igual aos outros…. Todos os humanos são assim. Fingem ter poder, fingem saber de tudo, mas no fim não sabem nada! Dependem das máquinas, dependem da tecnologia, dependem de nós! — Gigabyte afastou a pedra, preparando um soco. Porém, assim que disparou o golpe, Atômica o bloqueou, segurando seu braço.
—Mas… Você… — ela disse com a voz falha — Você… Precisou de… Um humano… — e começou a empurrá-lo, juntando toda a força que ainda tinha. — Por que nós… Apesar de… Não sermos perfeitos… Temos uma coisa… Que as máquinas não tem… — Atômica acertou um soco forte no abdome do vilão — Toda a sua… Inteligência… — e depois um chute. — É apenas artificial… Totalmente programada… — e continuou com vários golpes. — Nós humanos temos um cérebro… Um cérebro que você precisava pra se acoplar! Um cérebro que você precisava pra ter o que controlar! Um cérebro que não é seu! E se ele não é seu, o verdadeiro dono vai pegá-lo de volta!
Atômica o empurrou até uma das paredes com toda sua força, causando uma enorme rachadura. Então o olhou nos olhos, cerrando os punhos e acumulando uma esfera de energia transparente quase do tamanho de seu próprio corpo e lançando-a violentamente contra o vilão, que foi arremessado contra a parede e quebrando-a, caindo inconsciente para fora do prédio.
Logo, a super-heroína ouviu as sirenes e viu as luzes das viaturas se aproximarem dela e do vilão, agora inconsciente em meio a poeira. Era a primeira vez que não se sentia orgulhosa de usar seu uniforme.
***
Se passou um mês desde o ocorrido. O professor Joseph ou Gigabyte, já não se sabia mais, foi preso. Prisão perpétua.
Mary ainda estava no hospital, em estado de coma. Passou por uma cirurgia delicada para a realocação das vértebras que haviam sido fraturadas, com a ajuda de pinos, sua espinha dorsal foi reajustada. Em contraparte, perdeu totalmente os movimentos da parte inferior do corpo. Belly quase não a visitava. Se sentia culpada, não suportava ver sua melhor amiga, a que ela mais amava, daquele jeito. Tudo por conta de sua irresponsabilidade.
Era uma noite densa e neblinosa. Belly estava em seu quarto. Não conseguia parar de pensar em como Mary estava certa ao tentar impedí-la de tentar ser a Garota Atômica da primeira vez. Talvez ela jamais voltasse a colocar o uniforme.
De repente, a garota ouviu gritos de socorro através de sua janela. E foi então que percebeu: ela nunca foi Garota Atômica para si mesma. Ela criou a Garota Atômica para todos aqueles que precisavam de algo em que acreditar.
***
Um homem mascarado usando touca e vestes pretas corria por um beco, levando consigo uma bolsa feminina que acabara de furtar. Foi quando sentiu um vulto passar por trás de si. Ao olhar para trás, não viu ninguém, mas ao virar-se de volta para seguir seu caminho, bateu de frente com alguém, caindo para trás. Era ela. Mas parecia tão diferente e assustadora que o ladrão sentiu suas mãos tremerem.
—Q-quem é você? — ele perguntou, já imaginando qual seria a resposta.
—Adivinha. — a garota em trajes cor-de-rosa respondeu, logo antes de acertá-lo em cheio com um soco.
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